Título: Plano: dobrar vagas nas federais
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Vida&, p. A20

Governo quer criar 125 mil vagas no ensino superior até 2010, privilegiando o interior. Mas faltam professores

O projeto do governo Lula de expansão das universidades federais é ambicioso. Pretende espalhar pelo País novas instituições e campus e criar 125 mil vagas federais até 2010 ¿ dobrando o total existente. Quase todas no interior, onde o ensino superior privado não quer chegar. Embora a necessidade de mais vagas públicas seja consenso, sua criação pode sobrecarregar um sistema fragilizado e carente de verbas, professores e agilidade administrativa. Pelo cronograma do governo, seriam criadas 25 mil vagas neste ano, 10 mil em 2007, 30 mil em 2008, outras 30 mil em 2009 e mais 30 mil em 2010. O total é maior do que as vagas existentes no sistema. A intenção é assinar convênios para iniciar a construção de prédios e a definição de projetos pedagógicos de todas elas até o fim do ano.

O Brasil tem cerca de 10% da população entre 18 e 24 anos cursando o ensino superior ¿ na Argentina são 20%, na Coréia, 48%. Quase 90% das vagas aqui são privadas, o resto se divide entre universidades federais, estaduais e municipais. ¿O governo quer democratizar o ensino superior¿, diz o secretário da área no Ministério da Educação (MEC), Nelson Maculan.

DÉFICIT DE PROFESSORES

O projeto prevê 10 novas universidades ¿ entre elas a Federal do ABC, em Santo André, que teve o projeto arquitetônico divulgado ontem (veja detalhes no destaque acima) ¿ e 41 novas unidades de universidades já existentes. No Estado, a Federal de São Paulo (Unifesp) já começou a se expandir da capital para Diadema, Santos e Guarulhos.

¿Nosso grande problema é a falta de recursos humanos¿, diz a diretora da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Margarida Salomão. Ela explica que durante os anos 90 não houve novas contratações, tanto de professores, quanto de pessoal técnico-administrativo. O déficit hoje, segundo seus cálculos, é de 20%.

O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Paulo Rizzo, conta que na Universidade Federal de Santa Catarina, onde trabalha, há cerca de 250 professores substitutos. ¿Isso era usado quando algum professor se aposentava e não podíamos contratar outro. Mas o substituto já virou uma figura permanente¿, diz. ¿Não somos contrários à expansão, mas ela precisa vir com garantia de qualidade.¿

Mesmo sem aumento do quadro de pessoal, as universidades passaram a aumentar, a pedido do MEC, suas vagas a partir de 1998. Naquele ano, havia 95 mil vagas em todo o sistema; hoje, são 123.959. O MEC ainda não tem previsão de quantos professores e técnicos serão contratados até o fim da expansão. Recentemente, houve a primeira liberação de vagas para professores. Serão abertos neste ano concursos para contratar 2.250 mestres e doutores para as federais já existentes e 1.759 que trabalharão nas novas.

VERBAS

Para o funcionamento do megassistema federal, o MEC havia proposto regras em sua Reforma Universitária, mas o projeto parou na Casa Civil e nem chegou ao Congresso Nacional. Ele previa que 75% do orçamento do ministério fosse direcionado ao ensino superior federal. Andifes e Andes consideram o valor insuficiente, mas reconhecem que já houve crescimento no orçamento de custeio durante o governo Lula. Mesmo assim, durou 112 dias a última greve nas federais, que acabou em dezembro. ¿E expansão é custo, precisa aumentar mais¿, completa Margarida.

Maculan diz que houve falta de financiamento do ensino superior no governo passado. E mostra que, de 1997 para 2005, o total destinado às universidades pulou de R$ 6,6 bilhões para R$ 8,9 bilhões. Ela reclama também da burocracia. Os processos são lentos e precisam sempre passar pelo ministério. ¿Nem exoneração e substituição de profissionais podemos fazer sozinhos¿, diz. Há anos, o sistema pede a autonomia administrativa, como já ocorre em São Paulo com USP, Unicamp e Unesp.

CARÊNCIA

¿São Paulo tem carência de vagas no ensino superior público¿, diz o pró-reitor de Graduação da Unifesp, Luiz Eugênio Mello, justificando os novos rumos tomados pela instituição. Neste ano, começam a funcionar os primeiros cursos na Baixada Santista. Um convênio com a prefeitura de Diadema já garante também vagas na cidade do ABC de Farmácia, Ciências Biológicas, Química e Engenharia Química.

Mas o passo mais audacioso da Unifesp deve ocorrer em Guarulhos com a abertura de cursos na área de humanas. A instituição, ex-Escola Paulista de Medicina, há décadas se dedica à saúde. ¿Já sabemos o que é fazer pesquisa e ensino de qualidade, podemos fazer o mesmo em outras áreas¿, diz Mello.

Haverá ainda vagas federais em dezenas de cidades do Norte e Nordeste, que hoje tem a menor oferta do País.