Título: Acusação do governo revolta guaranis
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Nacional, p. A4,5

Para cacique de tribo no município de SP, `hoje o índio vive sem rumo¿

Índios guaranis de duas tribos de Parelheiros, extremo sul da capital paulista, demonstraram revolta e desolação diante das declarações do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, de que as reivindicações por mais terras indígenas estão passando dos limites. ¿O Mércio é antropólogo, isso é o que mais nos deixa indignados¿, reagiu o cacique da tribo Krukutu, Marcos Tupã. ¿Não há política séria na Funai. Tem muita influência antiindígena lá.¿ ¿É uma dívida que têm com a gente, deveriam ter demarcado há 20 anos e agora dependemos da ajuda de ONGs¿, disse um dos fundadores da Krukutu, Manoel da Silva Werá. ¿A Funai não ganha nada com a demarcação, por isso não tem nenhum interesse, nenhuma responsabilidade em relação aos índios.¿

Na vizinha Tenondé Porã, a polêmica fez os índios repensarem a postura diante da Funai e do governo. ¿O MST vai para frente porque os sem-terra lutam. O índio fica esperando, por isso não fazem nada¿, avaliou o vice-cacique, Marcílio da Silva. ¿O Brasil é todo do índio, e hoje o índio está vivendo sem rumo¿, disse Vander Alves Jacintho, após ver reportagem do Estado que mostra 800 índios guarani-caiovás acampados e passando fome em Dourados (MS).

Os dois índios da Krukutu lamentam a expansão imobiliária nas proximidades da aldeia, que limitou a cultura guarani. ¿Há 30 anos caçávamos tatu, queixada¿, lembra Werá. ¿Nossa preocupação é que isso se perca. Hoje nossos jovens não praticam mais essas atividades¿, queixou-se, acrescentando a pesca e extração de alimentos na mata como outras práticas esquecidas. ¿Com a falta de espaço não dá.¿

A Krukutu, a 55 quilômetros do centro de São Paulo, tem 36 famílias, num total de cerca de 190 pessoas, em 26 hectares de área. Mesma área da Tenondé Porã, aldeia com 120 famílias, ou pouco mais de 700 índios ¿ metade com idade entre 0 e 10 anos, sinal do crescimento populacional. ¿Demoramos para nos recompor, agora precisamos de mais terra¿, diz o vice-cacique.

Prova do crescimento é a proximidade entre os núcleos familiares, nome dado às residências, lembrando um vilarejo. ¿A área aqui é muito pequena¿, lamenta Marcílio. ¿Querem que o índio viva que nem branco, nós precisamos de mato¿, diz Vander Jacintho.

Os chefes das duas aldeias preferiram não mostrar o interior dos núcleos, construídos com madeira ou taipa. ¿É a nossa privacidade maior, causa constrangimento¿, justificou Werá. Eles explicaram que plantam nos quintais milho, feijão, mandioca, cana, laranja, banana e abacaxi, que consomem lá mesmo, mas não dá para a subsistência. A maior fonte de renda, continuam, conseguem com a venda de artesanato.

A Krukutu promove turismo cultural e ecológico uma vez por semana, para até 120 turistas, a R$ 6 por pessoa. E recebe do governo municipal R$ 180 ao mês por família. Na Tenondé, informaram que recebem um auxílio estadual, de R$ 250. Posto de saúde, escola de ensino fundamental e o Centro de Educação e Cultura Indígena (Ceci) completam o cenário das aldeias. Por fornecer café e almoço, o Ceci, originalmente destinado a crianças de 0 a 6 anos, mães e gestantes, acaba atraindo outros índios. As doações completam a fonte de alimentos das tribos.

Inquietas e alheias aos problemas das tribos, as crianças, que só falam guarani entre si, brincam a todo o momento. Diante do calor, poucas arriscaram o futebol no campo de terra batida. Mais de 40 jovens índios se divertiam na represa, disputando dois barcos e um trampolim improvisado com pedaços de madeira.

Os índios pediram a remarcação da área para a Funai em 2001, negada em 2004. Nas duas aldeias, a reclamação é de que as famílias cresceram muito e a escassez de terras impede que os índios consigam plantar para a subsistência e extrair o que precisam das matas.