Título: O superávit chinês
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Notas e Informações, p. A3

Parece inesgotável a capacidade da economia chinesa de gerar fatos que surpreendem o mundo. O que impressiona, agora, é o desempenho da balança comercial, cujos números acabam de ser divulgados. No ano passado, a China mais do que triplicou seu superávit comercial. O saldo alcançou US$ 102 bilhões, contra US$ 32 bilhões em 2004. Com uma corrente de comércio - soma de exportações e importações - de US$ 1,42 trilhão em 2005, a China desbancou o Japão da posição de terceira maior potência do comércio mundial, ficando atrás dos Estados Unidos e da Alemanha.

O excepcional desempenho do comércio exterior chinês é devido principalmente às trocas com os Estados Unidos. É delas que a China obtém seus melhores resultados. De acordo com o Departamento de Comércio dos EUA, nos 11 primeiros meses de 2005, a China conseguiu acumular um superávit de nada menos do que US$ 185 bilhões no comércio bilateral.

Como o superávit com os EUA é maior do que o saldo total alcançado em 2005, a conclusão é que, apesar do notável crescimento de suas exportações, que aumentaram 28%, a China registra déficit no comércio com os demais países. Mas este é um fato compreensível. O país continua sendo grande importador de matérias-primas, bens intermediários, componentes e produtos finais, entre outros itens que alimentam sua intensa atividade econômica e abastecem seu imenso mercado doméstico.

É prudente, porém, estar atento às mudanças na pauta de comércio com esse país, por causa de sua notável capacidade de conquistar espaços no mercado externo. Mudanças profundas acontecem no comércio entre Brasil e China. O Brasil ainda tem superávit no comércio com a China, mas o saldo vem diminuindo. No ano passado, foi de US$ 1,48 bilhão, menor do que os de 2003 (US$ 2,39 bilhões) e de 2004 (US$ 1,73 bilhão).

A participação dos produtos chineses no total das importações brasileiras ainda é inferior à dos produtos originários da União Européia, dos Estados Unidos e da Argentina. Mas vem se expandindo muito depressa. No ano passado, enquanto as importações totais do Brasil cresceram 17%, as originárias da China aumentaram 44,3%. Em 1999, a China respondia por 1,8% das importações brasileiras; no ano passado, sua fatia no total importado pelo Brasil foi de 7,3%. Ou seja, ela quadruplicou sua participação em seis anos.

O exame da lista dos principais produtos que um país exporta para outro também revela uma mudança importante. Do total de US$ 817,6 milhões que o Brasil exportou para a China em 1985, os produtos industrializados responderam por 94%, enquanto a fatia dos produtos básicos se limitava a 6%. Passados 15 anos, a situação tinha se invertido. Das exportações totais de US$ 1,1 bilhão, os produtos básicos respondiam por 68,2% e os industrializados, por 31,7% (o que falta para completar 100% é classificado pelo governo como "operações especiais"). Os dados de 2005 são bastante semelhantes a esses.

Atualmente, a lista dos principais produtos que o Brasil exporta para a China é formada por soja, minério de ferro, petróleo e derivados, fumo, madeira e laminados de ferro. Já a dos principais produtos que a China exporta para o Brasil é liderada por componentes de aparelhos transmissores e receptores, dispositivos de cristal líquido, carvão mineral, telefones celulares, componentes eletroeletrônicos e tecidos sintéticos.

Por essa lista se vê que a China não é mais a exportadora de produtos baratos. Ela vende produtos de alto conteúdo tecnológico e cujo comércio é o que mais se expande no mundo. Isso é fruto da política adotada pelo governo chinês de atrair as grandes empresas transnacionais, para transformar o país num grande exportador, sobretudo de produtos de alta tecnologia, das áreas de telecomunicações e eletroeletrônica de consumo.

O Brasil pode recorrer às salvaguardas para conter determinadas importações originárias da China, e em certos casos deve fazê-lo. Mas o que a evolução do comércio exterior chinês mostra é que, com ou sem salvaguardas, o país continua e continuará a avançar com vigor no mercado mundial.