Título: De novo o Conselho de Segurança
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2006, Notas e Informações, p. A3

A estratégia do Brasil, da Alemanha e da Índia para obter lugares permanentes no Conselho de Segurança da ONU mudou. No ano passado, esses países, mais o Japão, precipitaram-se numa corrida de alta velocidade, tentando aprovar o projeto de reforma do Conselho de Segurança em dois meses. Encontraram a sólida resistência dos Estados Unidos, China, União Africana e do Grupo Unidos para o Consenso e o projeto de ampliação do Conselho de Segurança teve fim melancólico, porém nem um pouco surpreendente. Agora, o mesmo projeto - que cria seis novas cadeiras permanentes e quatro não-permanentes - foi novamente apresentado. O Japão, porém, não participa da iniciativa. Tóquio considerou "inadequado" o momento da apresentação da proposta e não vê possibilidades de sua aprovação pela Assembléia-Geral. E assim o grupo original, conhecido como G-4, se desfalca. E não é apenas o governo do Japão que vê a empreitada com reservas. Brasil, Alemanha e Índia, em nota conjunta, também reconhecem não ter condições de levar o projeto a voto "em futuro imediato". E aí está, segundo as três chancelarias, a mudança de estratégia. Se antes tinham urgência na votação, agora querem apenas "suscitar uma dinâmica positiva no processo de reforma do Conselho de Segurança". Em resumo, não aspiram a mais do que manter o assunto em pauta e, nesse sentido, se declaram dispostos a considerar emendas ao projeto, com vistas a ampliar a base de apoio.

O debate, nesses termos, nenhum mal fará à ONU. Poderá mesmo abrir caminho para a aprovação de outros pontos da reforma da organização, propostos pelo secretário-geral Kofi Anan, que foram deixados de lado, total ou parcialmente, durante os trabalhos da Assembléia-Geral, no ano passado. Mas o fato é que a nova estratégia não remove os entraves que determinaram o fiasco de 2005.

O que impede a reforma do Conselho de Segurança são rivalidades e antagonismos que não desaparecerão facilmente, nem com a paciência agora demonstrada pelo Brasil, Índia e Alemanha, nem com o afastamento do Japão do G-4. As objeções levantadas, por exemplo, pela Argentina, Colômbia e México às aspirações do Brasil não serão removidas. O mesmo quanto ao Paquistão, em relação à India. E nem se fale sobre os vetos que os Estados Unidos impuseram à candidatura da Alemanha e a China à candidatura do Japão.

Os governos do Brasil e da França - que também é favorável à fórmula do G-4 - estão desenvolvendo a imaginosa teoria de que o afastamento do Japão do G-4 abrandará o antagonismo de Washington e Pequim e facilitará a aprovação da proposta. Ou seja, permitiria que o projeto de reforma fosse aprovado pela Assembléia-Geral, ficando a cargo de cada candidato, depois, obter os 128 votos necessários para a obtenção da cadeira permanente no Conselho de Segurança. Ora, esse processo de admissão em duas etapas é o único permitido pela Carta e a experiência do ano passado demonstrou que os países que se opõem, por razões geopolíticas, à ascensão de novos membros permanentes ao Conselho de Segurança não estão dispostos a permitir que o processo ultrapasse a primeira etapa. Foi por isso que os EUA, mesmo apoiando a candidatura do Japão, não subscreveram a proposta do G-4. O que está em jogo, afinal, é a redistribuição do poder na ONU e, mais do que nunca, vale a regra de ouro: quem pode não cede.

O Itamaraty, no governo Lula, fez da conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança a sua principal meta política, e com isso suscitou objeções e críticas - não porque aspirasse à elevação do status internacional do País, mas porque empenhou na empreitada recursos desproporcionais às possibilidades de êxito, como a experiência finalmente demonstrou.

Espera-se que, agora, essa política seja seguida sem arroubos. Afinal, pode ser útil ao País e à comunidade internacional uma longa discussão sobre a redistribuição do poder mundial. Não seria uma experiência inédita no sistema das Nações Unidas. A Comissão de Desarmamento, por exemplo, é uma herança recebida da Liga das Nações e, embora nunca tenha se aproximado da realização de seus objetivos utópicos, certamente contribuiu para a causa da paz.