Título: 'Vivemos a mais democrática das Constituições'
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2006, Nacional, p. A11

A seguir, a segunda parte da entrevista do ministro do Supremo Carlos Velloso: O presidente Lula pode escolher um ministro pensando em ter o tribunal como aliado?

O que realmente me impressionou nessa pesquisa é que não há contra qualquer um desses ministros, desde a primeira Carta republicana, nenhuma acusação, nada contra a conduta moral deles. Essa fórmula em vigor não é ruim. O presidente corre o risco de manchar sua biografia, de ficar marcado, se nomear alguém que não corresponda, que não preencha aqueles pressupostos constitucionais.

Não é poder demais para o chefe do Executivo?

Se o desejo é mudar, tenho proposta. O STF receberia lista com indicações de diversos segmentos, incluindo professores, advogados, promotores de Justiça, procuradores da República, juízes estaduais e federais e ministros dos tribunais superiores. Todos os indicados com mais de 20 anos de exercício da profissão. O STF reduziria a lista para seis nomes, que seriam levados ao presidente. Ele escolheria um e o Senado faria a sabatina. Um processo democrático.

O senhor sai no meio da crise política que vai ser julgada pelo Supremo. O mensalão o assusta?

Fiquei muito assustado e preocupado porque realmente isso é bem anormal. A nossa Constituição elege como princípio constitucional a moralidade, dispondo a respeito da probidade na administração. O escritor francês Montesquieu (1689-1755), ao abordar a ascensão e a decadência dos romanos, mostra que Roma começou a decair quando seus generais se esqueceram do interesse público e passaram a pensar no interesse privado. Em outras palavras, quando a corrupção se instaurou na República romana, aí foi a decadência. Porque a corrupção corrói por dentro e faz ruir o regime.

Essa história se aplica ao mensalão?

Daí a minha preocupação quando ouço falar nessas atividades que atentam contra a moralidade administrativa, a moralidade pública e a probidade na administração. Esse livro deve estar esgotado, mas a história vai se repetindo e seria oportuno que fosse debatida nas universidades e, principalmente, no poder público. Esses conceitos se aplicam à administração.

O Congresso tem feito críticas ao STF por decisões que têm livrado da prisão protagonistas do mensalão.

Vivemos a mais democrática das Constituições. A de 1988 ampliou a garantia de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Onde existir alegação sobre lesão ou ameaça a direito lá deve estar o Judiciário para curar a lesão ou afastar a ameaça. Se um parlamentar sustenta que tem um direito seu violado, a Justiça não pode se omitir. Tem de apreciar aquela alegação. É preciso compreender isso.

Com tantas evidências já não era hora de mandar para a prisão a turma do mensalão?

A Justiça só age devidamente provocada, no caso pelo Ministério Público Federal. Com base nas investigações, o STF vai decidir se recebe denúncia criminal ou manda fazer mais diligências.

Como combater o caixa 2?

Esse delito é muito grave porque estabelece o desequilíbrio no prélio. O desonesto leva vantagem sobre aquele que não fez caixa 2. A pena é muito branda para esse tipo de crime, vai de 1 ano a 5 anos de reclusão. Como, geralmente, essas pessoas não têm antecedentes criminais a pena em concreto fixada é a mínima e isso pode causar a prescrição retroativa. Então propusemos o endurecimento dessas penas, mínima de 3 anos de prisão, máxima de 8, podendo ser ainda agravada se há declaração falsa à Justiça Eleitoral.

O sr. acredita em resultados?

Se o Congresso aprovar, vai colaborar e muito, senão para a eliminação, pelo menos para reduzir a mínimas proporções o caixa 2. Levei ao presidente Lula sugestões a respeito de delitos na área e do aperfeiçoamento da prestação de contas. Ele disse que ia designar comissão para examinar. Também levei aos presidentes da Câmara e do Senado.

Acha que o Congresso tem interesse nesse tipo de fiscalização?

Acredito naquele núcleo de parlamentares dignos que têm no Congresso. Sim, existem parlamentares honestos. Essa acusação (do mensalão) se dirige a uma minoria. Tem muita gente olhando o panorama da ponte.

Como é o convênio com a Receita?

Podemos combater duramente o caixa 2, exigindo informação a respeito de gastos dos candidatos de 15 em 15 dias. Podemos responsabilizar pessoalmente o candidato. Fizemos convênio com a Receita que, sob o comando da Justiça Eleitoral, participará da fiscalização. Esses delitos são também delitos tributários. Eles encerram sonegação, é lícito que a Receita participe da fiscalização, mas sob o comando da Justiça. Isso amedronta candidatos? Ora, aquele que tem o rabo preso fica com medo mesmo. Candidato honesto não fica.

Que conselho o sr. daria a Lula?

O presidente Lula é um homem inteligente. Um político americano dizia que fazer boa política é fazer o que é direito. Eu diria mais: é fazer o que é direito e trabalhar e trabalhar.

Advogaria para o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu?

José Dirceu tem um passado de lutas. O passado dele me faz respeitá-lo, um passado bonito, de idealista. Posso até discordar de posições ideológicas dele. Mas acho que seu passado merece respeito.