Título: "A corrupção corrói por dentro e faz ruir o regime"
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2006, Nacional, p. A11

Carlos Mário da Silva Velloso deixa hoje o Supremo Tribunal Federal (STF) ¿ a máxima instância do Judiciário, onde atuou por 16 anos como ministro ¿, pregando rigor na punição para delinqüentes do caixa 2 (até 8 anos de reclusão ele sugere) e ação implacável contra os corruptos. ¿Porque a corrupção corrói por dentro e faz ruir o regime¿, adverte. Sai de cena não por vontade própria, mas por imposição da Constituição ¿ pela qual zela o STF ¿, que estabelece aos servidores aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade. Mineiro de Entre Rios de Minas, Carlos Velloso é de 19 de janeiro de 1936. ¿Saio feliz¿, afirma.

Feliz, ele explica, por sua produção ¿ 10 mil feitos julgou em 2005 ¿, mas ¿muito assustado, preocupado¿ com os desdobramentos e reflexos do mensalão¿. Defende mandato de 5 anos para o presidente da República, ¿sem possibilidade de reeleição¿.

Quarenta anos de toga, que vestiu pela primeira vez em 1966, lhe conferem autoridade para aconselhar Lula, que um dia colou no Judiciário a imagem da caixa-preta. ¿Fazer boa política é fazer o que é direito, e o que é direito é trabalhar e trabalhar¿, recomenda o ministro.

Deixa o Supremo, mas não o teatro carcomido dos códigos, dos autos e dos acórdãos, porque planeja advogar. Com uma ressalva. ¿Quero fazer uma advocacia selecionada, uma advocacia mais de pareceres e consultoria.¿ Nesse papel, anota o ministro, poderá até defender José Dirceu, a quem ¿admira por seu passado de lutas¿.

Ontem, às 11 da manhã, ele falou por telefone ao Estado. Havia voltado à sua residência, em Brasília, depois de fazer uma caminhada por uma hora e 20 minutos, vencendo 8 quilômetros de quadras arborizadas. Reclamou da ¿carga brutal¿ de ações a que o STF é submetido, defendeu a forma atual de composição da Corte, recomendou ¿muita dedicação e cuidados¿ a seu sucessor, que ainda não conhece, e disse estar preparado para sair. ¿Estou aguardando a degola¿, disse, bem-humorado.

Por que o sr. é contra a reeleição?

Sempre fui contra a reeleição, ela nunca teve vez na história da República desde a nossa primeira Constituição. Só surgiu com a emenda constitucional de 1997. Não vale a pena, porque há sempre a possibilidade de a máquina administrativa funcionar em favor do candidato que pretende a reeleição. Menos no que toca ao poder federal, porque os olhos da Nação estão postos ali, mas nos 5.500 municípios isso pode ser um desastre. Nas administrações estaduais a coisa pode ficar ruim. O ideal seria não ter reeleição.

Quatro anos de mandato é pouco para o presidente?

Quatro anos é muito pouco. Cheguei a propor seis anos, mas hoje acho que cinco seria o ideal. Cinco anos de mandato para o presidente e sem possibilidade de reeleição.

Seu sucessor será escolhido pelo presidente da República, como o sr. o foi, em 1990. Esse modelo tem sido muito criticado.

Não acho ruim essa forma de escolha. As indicações têm sido boas ao longo do tempo. Fiz uma pesquisa sobre os ministros do Supremo, desde a primeira Constituição, desde o primeiro ministro. Verifiquei que as nomeações não foram ruins. Você tem um ministro mais preparado que outro, muitas vezes até uma sumidade, mas a média é que todos têm boa formação jurídica, sem exceção.