Título: Na reunião de Lula e Kirchner, destaque foi o recuo do Uruguai
Autor: Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2006, Economia & Negócios, p. B6

BRASÍLIA - O encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, da Argentina, foi marcado pela retirada de um blefe da mesa de negociações do Mercosul. O Uruguai enviou, durante a reunião no Palácio do Planalto, uma clara mensagem de que não vai iniciar nenhuma negociação bilateral de livre comércio com os Estados Unidos. Portanto, vai manter seu compromisso com as regras da união aduaneira. A ameaça havia mobilizado os sócios maiores do bloco, contaminando a preparação da primeira visita oficial de Kirchner ao País e levando os governos brasileiro e argentino a expiar suas próprias culpas por não terem estendido os benefícios do Mercosul ao Paraguai e ao Uruguai.

Os sinais ¿tranqüilizadores¿ enviados de Montevidéu diretamente ao Palácio do Planalto foram confirmados pelo assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, e pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan.

Segundo Garcia, o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, afirmou que seu país tem duas bíblias: o programa da Frente Ampla e a Constituição, e que ambos tratam o Mercosul como ¿essencial¿.

Ao final de uma hora de conversa, no Planalto, o presidente Lula resumiu em um discurso que ambos os países têm de ¿fazer mais pelos irmãos mais pequenos¿. Kirchner justificou as iniciativas do Uruguai e do Paraguai como o resultado da ¿desatenção¿ dos principais sócios com as assimetrias dessas economias, mais frágeis que as do Brasil e da Argentina. Também defendeu que Brasília e Buenos Aires atuem de forma solidária e alertou que os benefícios do Mercosul não podem ¿ter uma só direção¿.

¿O Mercosul deve adotar, no seu interior, aquilo que reclama no exterior¿, resumiu Kirchner, referindo-se aos repetidos bordões do Brasil e da Argentina de que não podem fazer concessões no mesmo nível que as economias mais desenvolvidas nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

COBRANÇA.

A declaração do presidente argentino teve igualmente um tom de cobrança ao Brasil, de quem Buenos Aires também espera concessões mais generosas, supostamente para desenvolver setores industriais afetados pelas políticas econômicas adotadas nas últimas duas décadas e pela concorrência com os produtos brasileiros.

Pontualmente, o governo Kirchner espera esse comportamento de Brasília nas negociações em curso entre os dois países sobre a Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC), um mecanismo para proteger setores prejudicados, e do novo acordo automotivo. Mas, no momento em que discutia esses temas agudos com Lula, o governo argentino abria mais uma investigação contra produtos brasileiros, sob suspeita de dumping. Desta vez, a denúncia envolve transformadores.

Lula, pouco antes, havia tocado nesse assunto com declarações evasivas. Disse que é ¿normal¿ haver desequilíbrios ocasionais em uma relação bilateral tão intensa e que ¿não é de interesse nem do Brasil nem da Argentina que essas assimetrias se tornem estruturais¿. ¿Estamos abertos a propostas para aperfeiçoar os acordos setoriais que temos em áreas prioritárias, como o automobilístico¿, afirmou.

Em seus discursos, Lula e Kirchner reiteraram os compromissos para aprofundar as relações bilaterais e o Mercosul, e de prosseguir na consolidação da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa). ¿Creio, como o senhor, na aliança estratégica Brasil-Argentina. Creio, como o senhor, na aliança estratégica do Mercosul¿, insistiu Kirchner.

O presidente brasileiro chegou a mencionar que o fato de ambos os países terem liquidado suas dívidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) ¿reforça a determinação de Brasil e Argentina de redefinirem de modo coordenado seu lugar no mundo¿.

¿Vamos reforçar nossa colaboração em organismos financeiros multilaterais, vamos juntar esforços para dotar o Mercosul e a Casa de instrumentos financeiros à altura do desafio da integração¿, afirmou.