Título: Há algo errado entre nós e a China
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2006, Economia & Negócios, p. B11

Não é o PIB da China, não, que ¿ o governo informou ontem oficialmente ¿ cresceu 9,8%. Sim, 9,8%, mesmo com o tal ¿esforço¿ que eles dizem que andaram fazendo para ser menor. É o enorme volume de investimento direto que a China recebeu em 2005, US$ 60,8 bilhões (número ainda provisório). É recorde dos recordes em investimento e crescimento! Enquanto isso, ficamos aqui no Brasil com nossos míseros US$ 11 bilhões, até novembro. E não deve ter passado muito disso. Sei, vocês vão me lembrar do argumento usado por esse lúcido e corajoso ministro Palocci, de que não se pode comparar o Brasil com a China, um país onde não se dá a menor importância à assistência social, onde se pagam salários comparativamente miseráveis (e nossos R$ 300?), não há liberdade, que nós escolhemos este tipo de sociedade em que vivemos etc. etc. Mas tudo isso não se sustenta diante dos números, dos fatos.

Tenho dito que a China comunista, ou seja lá o que for, é rica e miserável, onde mais de 800 milhões vivem do que plantam em terras do governo, que compra o que produzem pelo preço que quer. Mas isso não justifica os argumentos do ministro. E as que estão aqui? Se eles fossem válidos, as mais de 400 empresas estrangeiras que estão aqui e representam 70% das exportações não teriam investido aqui. Para investirem mais, seriam necessárias pelo menos três coisas: 1 - crescimento vigoroso do mercado interno;

2 - câmbio valorizado que não mude a todo momento, promessa que os chineses fizeram e estão cumprindo. A China prometeu aos investidores que poderiam confiar na sua política cambial, que uma inflação não seria tratada pela discutível política cambial e está cumprindo religiosamente isso, com os Estados Unidos, a União Européia e todo o mundo mais protestando, ameaçando, dando paulada;

3 - uma política industrial, que para mim é irmã gêmea de uma política comercial confiável. Não temos nenhuma das duas. Ao contrário, busca-se por meios voláteis estimular exportações ao mesmo tempo que adotamos uma política supra-ultra-irracional de nacionalismo, xenofobismo infantil e troglodita que entrava a atividade produtiva, dificulta a absorção de tecnologia de ponta, atrasa o crescimento e impede a expansão do mercado de trabalho que o País precisa para salvar a sua juventude.

E NÓS?

Nos últimos 10 anos, a China recebeu mais de US$ 700 bilhões e o Brasil, US$ 220 bilhões, e isso, assim mesmo, a conta-gotas, com um pequeno chuvisco com a única privatização de fato, a da estraçalhada área de telecomunicação. O Brasil começou a absorver investimentos diretos externos na década de 50. A China, 30 anos depois, na década de 80!

Em apenas 10 anos de ¿abertura¿ social-comunista, seja lá o que seja, desde que Deng Xiaoping acabou com a criminosa farsa de Mao Tsé-tung, a China recebeu mais de US$ 700 bilhões só em investimentos.

Deng sabia que estava abrindo a cova do stalinismo-comunismo, sabia já antes de Gorbachev que tudo isso era um passado troglodita, que os 800 milhões de miseráveis um dia iriam se levantar, com exército ou sem exército, mas que seria uma magnífica explosão de progresso mesmo após o crime inominável da Praça da ¿Paz Celestial¿.

Quem sabe muitos dos jovens sobreviventes do massacre estão hoje formados por Harvard ou Stanford, sonhando um sonho talvez agora viável de liberdade, mesmo que tardia? Agora, pelo menos, eles podem sonhar um sonho pelo qual antes eram massacrados pelos tanques, exatamente iguais aos que se recusaram a destroçar os revoltosos soviéticos.

Segundo o Ministério do Comércio, havia 512.200 empresas de investimentos estrangeiros estabelecidas na China em 2004. Só naquele ano foram 43.644! Das 500 maiores empresas multinacionais, cerca de 400 estão lá. A maior parte, em 2002, veio da própria Ásia; as americanas correspondiam a 9% e as européias, a 8%.

Mas isso mudou muito nos últimos 4 anos, quando se iniciou, e se intensifica agora, uma verdadeira correria para a China. Resultado, em 2005, a China ¿ ou melhor, as empresas estrangeiras instaladas em algumas cidades-chave chinesas ¿ exportaram mais produtos de tecnologia de ponta do que os EUA!

Os chineses espertos mandaram para as universidades americanas estudantes para se especializarem em economia, finanças, tecnologia de ponta, em tudo, enfim, que pudessem aplicar e estão aplicando no país. E, no ano passado, o país, ou melhor, as empresas multinacionais que estão lá exportaram mais produtos de ponta do que os EUA!!!

Só que em apenas 10 anos, desde a abertura. Enquanto isso, nós...