Título: Só um ministro uruguaio prefere o Mercosul
Autor: Denise Chrispim Marin, Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2006, Economia & Negócios, p. B8,9

Chanceler Reynaldo Gargano é o único que considera `não conveniente¿ um acordo com EUA

BUENOS AIRES - O governo uruguaio está dividido sobre um eventual acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Em declarações publicadas ontem pelo jornal Clarín, o chanceler Reynaldo Gargano considerou que o acordo ¿não é conveniente¿ para o Uruguai. Segundo Gargano, seu governo ¿está a favor de toda abertura comercial¿, mas um acordo com os EUA seria impossível por causa de suas ¿tarifas alfandegárias, de 26% para a carne¿, principal produto de exportação do país. ¿Nossa negativa não é por questões ideológicas, é que não nos convém¿, disse.

Segundo o chanceler, ¿os acordos comerciais com terceiros são negociados em bloco (do Mercosul). Se um país quer fechar um acordo bilateral, deve haver um acordo prévio com o resto dos sócios¿, disse, lembrando que foi ele quem enviou o recado aos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Néstor Kirchner, da Argentina, indicando que o Uruguai não fará acordo com os EUA.

Gargano, no entanto, é voz isolada no governo. A ele se opõem os ministros Danilo Astori, da Economia, Jorge Lepra, da Indústria e Energia, e Héctor Lezcano, do Turismo . Além disso, há um forte lobby empresarial anti-Mercosul.

Ontem, o ministro da Pecuária, José Mujica, voltou a fazer críticas ao Mercosul. Com seu estilo direto e desbocado, disse que o bloco vai ¿para el carajo¿. Para o ex-guerrilheiro, ¿ Brasil e Argentina precisam consertar o Mercosul¿.

Outro contrário ao Mercosul é Jorge Larrañaga, líder do maior partido da oposição, o Nacional. Ele disse que o ¿Mercosul nunca funcionou tão mal como agora¿. ¿Quando queremos enviar arroz para o Brasil, nossos caminhões são retidos; quando os turistas argentinos querem entrar no país, fazem piquetes nas estradas e quando temos um investimento importante, alegam questões ecológicas¿, disse Larrañaga, em alusão às fábricas de celulose, cuja construção a Argentina tenta impedir.

CAMINHO LIVRE

Ontem, em Brasília, o presidente argentino deixou o caminho livre para o Uruguai. ¿Se Tabaré Vázquez quer fazer um acordo com os Estados Unidos, isso seria atroz para o Mercosul, mas não poderíamos expulsar o Uruguai¿, declarou.

¿A Argentina e o Brasil estão lutando para sair de crises econômicas profundas e, se não têm meios para ajudar o Uruguai, não podem impedir que faça um bom negócio¿. ¿Eu conversei com Lula sobre isso e ele esteve de acordo.¿

O presidente da Venezuela, e Hugo Chávez, tem a mesma opinião. Ele lembrou que a Colômbia está negociando um acordo com os Estados Unidos, mas isso não impede sua aproximação com a Venezuela.

Menos condescendente, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, lembrou que ¿há condicionantes¿ para países que pertencem a uma união aduaneira. A declaração deixou claro que não seria confortável para o Brasil ver um dos sócios do Mercosul quebrar seus compromissos.

Amorim confirmou que na quarta-feira houve uma ¿manifestação espontânea¿ do governo do Uruguai de que não prosseguiria com a negociação do acordo com os EUA. No Itamaraty, a iniciativa foi avaliada como blefe, embora haja correntes no governo uruguaio propensas ao acordo.

Do Brasil, o Uruguai obteve o que queria: compromissos de mais concessões comerciais. Da Argentina, conseguiu arrefecer os ânimos contrários à instalação de uma fábrica de celulose na fronteira.