Título: Fora da zona de perigo
Autor: Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2006, Economia & Negócios, p. B1

O saudoso Mário Henrique Simonsen costumava dizer que ¿a inflação aleija e o câmbio mata¿. A espetacular virada das contas externas brasileiras, iniciada na crise de 1999, e acelerada na turbulência de 2002, significa que o Brasil provavelmente saiu definitivamente da zona de perigo mortal. Economias não morrem, evidentemente, e Simonsen usava uma expressão tão forte para realçar o potencial de estrago que o esgotamento das reservas internacionais pode causar num País. A história recente mostra que crises deste tipo podem levar a quedas do PIB de 5% a 10%, e o Brasil teve sorte de escapar em 1999 e 2002 apenas com estagnação econômica.

De qualquer forma, com superávit em conta corrente de 1,8% do PIB e reservas de US$ 55 bilhões ¿ e que não param de crescer ¿, o País se aproxima de uma situação inédita ou muito rara na sua história desde a independência: dentro de alguns meses, ou até menos, se o andar da carruagem se mantiver, a dívida líquida em moeda forte do governo desaparecerá.

Isto é, o governo terá mais reservas internacionais e créditos dolarizados do que dívidas em dólar ou débitos indexados à moeda americana. De certa maneira, o Brasil vai se tornar credor dos Estados Unidos, já que boa parte das nossas reservas está aplicada em títulos do tesouro americano.

Tudo isto pode ir pelos ares se um candidato populista assumir a liderança nas pesquisas, com uma plataforma suficientemente ensandecida, e esse fato combinar-se com um fim brusco do cenário externo excepcionalmente favorável que vem prevalecendo nos últimos três anos.

A probabilidade de isto ocorrer, porém, parece bem pequena. Mas é importante lembrar que o fim do perigo de crise cambial não significa a entrada no paraíso.

Na verdade, seria muito mais saudável para o Brasil hoje derrubar tarifas alfandegárias, fazer com que as importações aumentassem junto com as exportações, reduzir um pouco o superávit em conta corrente, absorver mais poupança externa e crescer acima de 5% ao ano, como fazem as economias emergentes bem-sucedidas.

Para isto, porém, é preciso retomar as reformas pró-mercado e enfrentar os lobbies patrimonialistas ¿ uma agenda que acabou sendo esquecida na turbulência política provocada pelo mensalão.