Título: País opta por energia com mais CO2 e efeito estufa
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2006, Vida&, p. A16

Quase 70% dos MW leiloados no País serão gerados por termoelétricas, que queimam combustíveis fósseis

O leilão de energia nova, realizado em 16 de dezembro, acabou por privilegiar a geração de energia suja em detrimento de uma mais limpa. Quase 70% dos 3.286 megawatts (MW) leiloados serão gerados por termoelétricas, que queimam combustíveis fósseis e lançam mais carbono na atmosfera do que as hidrelétricas. Se todas funcionarem ao mesmo tempo, elas lançarão mais 11,35 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) na atmosfera. O valor representa um aumento de 2,8% de toda a emissão do gás no País, que hoje é de cerca de 400 milhões de toneladas de CO2. Levando em conta apenas a quantidade emitida pelo setor energético, o crescimento é de 11%.

"Supersimplificadamente, estamos criando um Protocolo de Kyoto ao contrário para o Brasil", diz Roberto Schaeffer, professor da Coordenação de Pós-graduação de Engenharia da UFRJ (Coppe). Isso porque os países ricos que participam do acordo precisam reduzir em média 5,2% de suas emissões de gases que provocam o efeito estufa, basicamente mudando a base energética suja que utilizam. "Como o Brasil sempre teve uma base limpa, então qualquer mudança tem grandes conseqüências", afirma.

Segundo o secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, o resultado do leilão "nos coloca numa posição difícil", uma vez que a política ambiental propagandeada pelo Brasil no exterior é que privilegia hidrelétricas e biomassa.

Ficará mais difícil para o País se manter distante dos debates internacionais sobre tecnologias ambientalmente sustentáveis no setor. "O Brasil caiu numa armadilha, porque a tendência é que as termoelétricas continuem a ganhar espaço para suprir a necessidade energética do País. Ambientalmente falando, foi muito negativo", diz Pinguelli.

O secretário de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg, especialista em energia e um dos primeiros articuladores brasileiros na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, diz que o resultado do leilão foi um "desserviço": "O País não pode abandonar as hidrelétricas. É andar na contramão. O Brasil apresentado no exterior tem foco na biomassa, introduziu o etanol, e usa hidrelétrica. Vamos acabar perdendo esse perfil."

As termoelétricas que ganharam o contrato queimam gás natural, carvão ou óleo diesel para gerar energia. Somente 97 MW, ou menos de 3% da energia leiloada, virá da biomassa, de uso sustentável. Elas são ativadas quando há estiagem e o reservatório de água é baixo.

Mesmo o gás natural, fonte menos poluente do que o carvão mineral, emite dióxido de carbono. "Globalmente, essa poluição não será sentida imediatamente. Mas esse é um gás que permanece na atmosfera por mais de cem anos", explica Schaeffer.

As hidrelétricas perderam espaço no leilão pela demora na obtenção do licenciamento ambiental, emitido por órgãos estaduais e o Ibama.

Em oposição, obter o licenciamento de uma termoelétrica é mais rápido, pois ela atinge uma área menor e existem menos passivos sociais a serem analisados. "Alguns dos projetos que participaram do leilão obtiveram a licença em dois, três meses", conta o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. "Existe um preconceito quanto a hidrelétricas, como grandes degradadoras do ambiente. Mas uma usina movida a diesel é altamente poluidora."

Segundo o secretário de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Victor Zveibil, "não existe restrição a hidrelétricas, nem favorecimento a termoelétricas". Para Goldemberg, o problema é a lentidão dos empreendedores em cumprir as exigências. "A EPE não sabe o que é licenciamento ambiental. O processo é complicado."