Título: Inocentados de pedofilia narram seus horrores
Autor: Gilles Lapouge
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2006, Internacional, p. A14

Eles ficaram dois anos presos, sofrendo as piores humilhações

PARIS - Os depoimentos das 13 principais vítimas, homens e mulheres, absolvidas de acusações de pedofilia no processo Outreau, na França, após terem cumprido dois anos de reclusão, foram marcados por uma forte emoção dos telespectadores. Com seus depoimentos, os inocentados chocaram os deputados que os ouviram numa CPI. Eles denunciaram seus sofrimentos, humilhações e maus-tratos nas prisões francesas.

Segundo o advogado Hubert Delarue, o que se passou na Justiça da França foi um verdadeiro terremoto e os telespectadores puderam descobrir o pesadelo de 13 inocentes acusados de pedofilia e prática de orgias envolvendo crianças de 4 a 12 anos, incluindo próprios filhos.

Alain Marecaux lembrou que sua mãe se deixou morrer de fome. Ele foi ao funeral algemado e acompanhado por policiais. Segundo ele, o juiz Fabrice Burgaud é o assassino de sua mãe. Pierre Martel lembra que o juiz chegou a afirmar: "Levei 3 anos para instruir o processo e você terá 20 anos para refletir." A Thierry Dausque, que insistia em sua inocência , o juiz disse: "Você precisa confessar e pode pegar 20 anos de prisão."

No dia 8 de fevereiro será a vez de o juiz Burgaud ser ouvido na CPI, que será aberta aos 13 inocentados. O juiz insiste em afirmar que está sofrendo "uma grande injustiça".

O direito de defesa nem sempre foi respeitado pelo juiz de instrução, Fabrice Burgaud, hoje numa posição das mais delicadas. Ele não reconhece seus erros e está convencido de que cumpriu seu dever à risca e aplicou a lei. Mas nem todos concordam, incluindo gente da própria magistratura. O 14.º inocentado não resistiu às humilhações e suicidou-se antes de ser inocentado.

O juiz Renaud Van Ruymbeke, que atuou em outros processos de grande repercussão política no país, está solicitando a supressão na França do juiz de instrução, responsável pela instrução do processo desde a fase policial. Para Van Ruymbeke, "o juiz Burgaud tem um papel central nesse episódio, pois foi ele quem conduziu as investigações, tomou depoimentos, etc., mas ele não deve assumir toda a responsabilidade".

Ontem foi a vez dos depoimentos dos advogados dos absolvidos - alguns pais e mães que tiveram sua vida destruída pelo juiz de instrução que os indiciou e os manteve presos durante dois anos, apesar de não terem culpa formada.

Eles denunciaram condições desumanas da vida nas prisões, violência policial, desrespeito à presunção de inocência, etc. Não pouparam críticas a policiais e juízes, apontando erros de um sistema judiciário que deverá ser rapidamente reformado.