Título: Virando a página
Autor: Alcides Amaral
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

Tudo nesta vida tem começo, meio e fim. Por causa da reformulação do quadro de colaboradores do Estado, não mais estarei ocupando este espaço, como fazia quinzenalmente. Dizer que não fiquei surpreso com a decisão do jornal seria faltar com a verdade. São mais de quatro anos de relacionamento (desde agosto de 2001), mais de 100 artigos publicados, muitos momentos de alegrias e também momentos de tristeza. Quando ameaçava desanimar por falta de reação do governo Lula às críticas e sugestões (todas elas visando a um País melhor para o povo brasileiro), adquiria ânimo novo para continuar lutando. Uma voz a mais acreditando que nosso país é maior do que seus problemas e, com um pouco mais de competência por parte do governo, estaríamos em situação bem melhor do que a atual. Não diria que o presidente Lula não se preocupa com a imprensa. Ele reage a tudo aquilo que atinge sua pessoa, pois não admite ver seu nome vinculado ao mensalão, ao caixa 2 e assim por diante. "Não sabia", "fui traído" são algumas das suas expressões mais comuns. O governo tentou calar a imprensa com a tentativa de criar o Conselho Federal de Jornalismo e ameaça voltar à carga novamente com projeto de lei que manda para a prisão os jornalistas que divulgarem o conteúdo de escutas telefônicas ou conversas gravadas. Ele, o presidente, não admite que relacionem seu nome a nenhuma das bandalheiras que hoje alimentam as páginas dos jornais. Tanto é verdade que declarou recentemente que "neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade". Essa é a sua verdade e não há como contestá-la.

O que incomoda, entretanto, é o desprezo do governo com relação a críticas e sugestões relativas ao que ocorre nos rumos e na condução da economia deste país. A impressão que temos é a de que o presidente possui o seu próprio mundo, vive dentro dele, e não vê que, enquanto nossa economia deve ter crescido, no máximo, 2,5% em 2005, o mundo emergente no qual nos situamos cresceu, certamente, mais de 6%.

Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, o economista Gabriel Palma, professor de economia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, define como "histérica" a política econômica do nosso país e afirma ainda que "o crescimento brasileiro não é somente pequeno, mas basicamente influenciado por aspectos transitórios". Essa declaração vai ao encontro do que diz a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), que estima que hoje cerca de 60% a 70% das exportações brasileiras sejam efetuadas por empresas de capital estrangeiro. "Isto mostra", de acordo com o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro, "o tamanho da nossa dependência em relação ao nível da atividade da economia mundial". O presidente Lula administrou três anos sem crise internacional alguma - fato raro na última década - e, mesmo assim, o Brasil não soube tirar a vantagem que poderia, tendo um mundo eminentemente comprador.

Alguns dirão que nossas exportações cresceram em 2005 mais do que os mais otimistas poderiam imaginar, o que é verdade. Exportamos pouco mais de US$ 118 bilhões, apesar da valorização do real. Contamos com as empresas estrangeiras, com nossas grandes firmas exportadoras, mas a pequena empresa, aquela que depende da taxa cambial para ser competitiva, foi ficando para trás. Alguns setores foram praticamente alijados do mercado, como é o caso do setor calçadista, que eliminou mais de 20 mil empregos em 2005, o que é simplesmente ignorado pelo governo. A mensagem que fica é a de que, se o mundo parar de crescer e nosso câmbio permanecer equivocado, podemos ter dor de cabeça com as exportações, e aí o crescimento do País será duramente atingido.

Não bastasse o câmbio, a imprensa divulga diariamente entrevistas e opiniões de economistas questionando a necessidade de continuar mantendo a taxa de juros real mais alta do mundo. Temos nossas vulnerabilidades - dívida elevada, por exemplo -, mas nada que justifique pagarmos o dobro do que nossos seguidores, tais como Turquia e Indonésia. Não há país no mundo que pague taxa real de juros acima de 10% ao ano. Só nós somos capazes de fazê-lo, mas essa realidade certamente não faz parte do "mundo" do nosso presidente.

A lista de preocupações não pára por aí. O governo gasta mais do que deve e continua a fazê-lo sem nenhum constrangimento. Nossa carga tributária absorve quase 40% da renda nacional e nada é feito para que o setor privado seja menos onerado. Mais uma vez tais preocupações não fazem parte do mundo do presidente, pois, para ele, tudo vai muito bem, obrigado.

Diante desse quadro, que deve ficar mais delicado neste ano eleitoral, é que me despeço dos leitores que me prestigiaram ao longo desses anos. Foram centenas de mensagens recebidas por e-mail, a maioria, felizmente, de apoio. Isso me dá a certeza de ter procurado exercer meu trabalho com seriedade e profissionalismo. O próprio Estado deu mostras de sua aceitação, pois jamais tive artigo rejeitado e ainda alguns deles mereceram chamada na primeira página, inclusive o último: Adeus, FMI.

Meu muito obrigado ao pessoal da Editoria de Opinião do Estado, pelo apoio irrestrito recebido ao longo desse tempo. Não poderia deixar de citar também a colaboração preciosa de minha esposa, Norma, e de minha filha, Claudia, que, ao lerem com olhos críticos meus artigos antes de serem enviados ao Estado, me deixavam confortável de que a mensagem que queria passar para o leitor era aquela que ele estava recebendo. E, como o leitor é a alma do jornal, creio que estou virando esta página com dever cumprido.