Título: 'Não queria estar na pele de Lula', diz FHC
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2006, Nacional, p. A5

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alerta que não será a política econômica que estará em jogo nas eleições, mas a 'moral pública e o bem-estar concreto da população'. Em entrevista ao Estado ao chegar em Genebra para uma reunião na Organização das Nações Unidas (ONU), Fernando Henrique afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve pensar 'no fundo da alma' se terá capacidade de governar o País mesmo se conseguir a reeleição. Fernando Henrique rejeita a idéia de que Lula já estaria acabado politicamente. 'Mas vai ser muito difícil ele (Lula) ganhar. O presidente precisará pensar no fundo de sua alma o que é melhor para ele e o Brasil. O risco de Lula perder as eleições é alto, mas o maior risco é não ter condição de governar direito, mesmo se ganhar. Ele tem que pensar muito sobre isso. Eu não queria estar na pele dele', afirmou FHC.

Na avaliação do ex-presidente, apesar de o debate sobre a política econômica ser ¿permanente¿, não será o tema que fará um candidato ganhar ou perder as eleições.

¿Não é isso que estará em jogo no Brasil. O que vai importar é o bem-estar concreto da população e, principalmente, a moral pública que ficou altamente comprometida. É preciso um esforço para mostrar que, para governar, não precisamos de escândalos e desorganizar o sistema político.¿

Para Fernando Henrique, o PSDB precisa preparar um ¿momento novo para o Brasil, de convergência¿. ¿O presidente da República não pode achar que sabe tudo. Precisa chamar as pessoas para conversar e criar convergências nacionais. O presidente Lula perdeu a oportunidade imensa para gerar essa convergência¿, disse.

Entre os pontos centrais da campanha de seu partido, Fernando Henrique defende dar prioridade a temas como educação, segurança pública e acesso à Justiça.

¿Minha obsessão é a educação. Nós conseguimos alguns avanços e todas as crianças estão na escola. Mas que escola? Qual a qualidade desse ensino? Como está o salário e treinamento do professor?¿, questionou. ¿O PSDB deve se concentrar em alguns desses pontos e os candidatos precisarão ter a capacidade de recolocar esses temas para entusiasmar o povo outra vez¿, sugeriu.

'O importante agora é o PSDB pensar o que fazer com o País. A campanha eleitoral não pode ser olhando para o passado ou denegrindo os adversários. Inclusive porque não precisa. Não devemos sair com pedras nas mãos para atirar sobre o PT, que vai tentar atacar de volta. Nosso telhado não é de vidro. Não devemos jogar pedra em telhados já quebrados. O telhado deles já quebrou', disse FHC, referindo-se aos escândalos de corrupção.

FINANÇAS PÚBLICAS

Mesmo assim, Fernando Henrique não deixa de criticar o atual governo. ¿As reformas estão paralisadas, o déficit da previdência é muito alto e alguém vai ter de pagar por isso um dia.'

Segundo ele, um dos problemas é que o governo aumentou de forma excessiva os gastos correntes, sem um incremento nos investimentos.

'O problema econômico principal não são as taxas de juros, mas recolocar ordem nas finanças públicas, aumentar taxa de poupança e de investimentos. O Brasil não tem como crescer 6% ou algo parecido nesse ano.'

Quanto à escolha de um candidato do PSDB para concorrer às eleições, Fernando Henrique acha que não é o momento de o partido se precipitar.

'A população só abre os olhos para isso quando começar a campanha na televisão e na rádio. Temos boas opções de candidatos, todos com possibilidade de ganhar e de governar. Além disso, quem quiser ser candidato terá de renunciar se ocupa uma posição pública. E isso será uma decisão pessoal. Mesmo que o partido queira um candidato, será ele que terá de decidir se irá querer abandonar sua função', completou o ex-presidente.