Título: Nem sindicância impede venda ilegal de lotes da reforma agrária
Autor: José Maria Tomazela
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2006, Nacional, p. A7

Um ano e meio depois de o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) ter aberto sindicância para apurar a transferência irregular de lotes em assentamentos do Pontal do Paranapanema, oeste do Estado de São Paulo, a prática continua ocorrendo. Lotes adquiridos com dinheiro público para a reforma agrária estão sendo arrendados ou vendidos pelos beneficiados, o que contraria a legislação. No Assentamento São Bento, em Mirante do Paranapanema, considerado modelo pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) os próprios assentados apontaram ao Estado várias glebas negociadas pelos lotistas. Um deles, o lote 86, está em nome de Ivan Carlos Bueno, ex-técnico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na região. Ligado à direção regional do MST, Bueno conseguiu o lote mesmo sendo solteiro e tendo emprego. Ao ser dispensado pelo Incra, há cerca de um ano, passou a trabalhar na cooperativa regional do MST, a Cocamp. Em vez de trabalhar no lote, como exige a legislação, colocou em seu lugar o sem-terra Erivaldo Tavares Lima, de 35 anos. ¿Ele tirou a gente do acampamento Margarida Alves, de Sandovalina, e propôs ao meu marido que tocasse o lote¿, conta Eunice Aparecida dos Santos Lima, de 31 anos, mulher de Erivaldo. Pelo trato, Bueno forneceria trator, sementes e receberia metade da produção. ¿No começo, correu tudo bonitinho, mas depois ele deixou de fazer a parte dele¿, diz.

Erivaldo construiu um barraco de madeira para abrigar a família ¿ além da mulher, os filhos Erivan, de 10 anos, e Jaqueline, de 7 ¿ e passou a plantar mandioca, milho e algodão. A casa de Bueno, em alvenaria, financiada pelo governo federal, permanece com os móveis e fechada. Nos últimos meses, ele passou a forçar a família de Erivaldo a deixar o lote. Arrendou uma parte da gleba para um produtor de mandioca. ¿Meu marido tem cadastro de sem-terra e entrou com pedido para ficar com o lote, mas foi negado.¿ Com medo de ser despejado, Erivaldo abandonou a lavoura de mandioca. Bueno foi procurado na Cocamp e na sede do assentamento, onde também atua, mas não foi encontrado.

O assentado João Rodrigues Filho, o Mineiro, de 73 anos, conta que o número de lotistas que venderam ou arrendaram as glebas é grande. ¿Dos pioneiros aqui, sobraram eu e mais meia dúzia.¿ Algumas transferências são intermediadas pelos funcionários do Itesp, segundo ele. ¿A assentada Nilza Ferreira de Souza pôs o lote dela à venda, mas não tive dinheiro para comprar. O Itesp vendeu para outro que tinha como pagar.¿

Mineiro queria o lote para o filho Biraci Rodrigues Pereira, de 28 anos, que mora com ele, mas o pedido era de R$ 5 mil. O filho acabou excluído do cadastro do Itesp. ¿Disseram que é ocupante irregular, mas como, se mora comigo?¿

EM ANDAMENTO

Os lotes 71 e 121 também foram transferidos. O próprio MST chegou a enviar ofícios ao instituto denunciando vendas e transferências irregulares. O Itesp informou que a sindicância aberta em agosto de 2004 para apurar denúncias ainda não foi encerrada. Foram realizadas audiências públicas em várias regiões, inclusive no Pontal, para esclarecer os assentados. Em 2005 foram expedidas 218 notificações para ocupantes irregulares ¿ arrendatários ou compradores dos lotes originais. Destes, 69 tiveram regularizada a situação. Em oito casos já houve a retomada do lote, com a exclusão dos assentados pela prática de irregularidades. Muitos processos estão em andamento. O Itesp informou que o caso de Bueno está sendo apurado e ele deve perder o lote, que pode ser transferido para Erivaldo. Segundo o órgão, está sendo estudada a possibilidade de tornar legal o pagamento das benfeitorias ao assentado que desiste do lote. O valor será calculado pelos técnicos do órgão e o repasse obedecerá a ordem dos inscritos. Na prática, embora irregular, a cobrança pelas benfeitorias do assentado desistente já virou regra nos assentamentos do Pontal.