Título: Aimará Evo assume presidência
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2006, Internacional, p. A8

O socialista Juan Evo Morales Aima, de 46 anos, ex- líder dos plantadores de coca bolivianos, tornou-se ontem o primeiro índio em 180 anos de história da Bolívia a assumir a presidência. Mais de 60% dos habitantes do país são de origem indígena e constituem a camada mais pobre da população. Morales é um aimará de família humilde, que se lançou na política como defensor dos camponeses e dos indígenas. Liderou várias marchas de protesto e bloqueios de estrada em defesa dos interesses dos camponeses. Com lágrimas nos olhos, ele estava visivelmente emocionado quando fez o juramento no Congresso e recebeu a faixa presidencial do presidente interino, Eduardo Rodríguez, para um mandato de cinco anos. Morales manteve seu estilo informal de vestir-se: usou terno, mas sem gravata.

A cerimônia teve a presença de dez chefes de governo da América Latina, incluindo os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, do Chile, Ricardo Lagos (ler abaixo), da Venezuela, Hugo Chávez, e o subsecretário dos EUA para Assuntos Latino-Americanos, Thomas Shannon. Cuba mandou o vice-presidente, Carlos Lage. Diante do Congresso, dezenas de milhares de pessoas,em boa parte camponeses e indígenas, celebravam a posse.

Morales foi eleito em dezembro, pelo Movimento ao Socialismo (MAS), com 53,7% dos votos. Pesquisas recentes indicam que ele tem agora o apoio de 74% dos eleitores.

Logo depois da transmissão do cargo, Morales pediu um minuto de silêncio em memória de líderes indígenas da Bolívia, como Tupac Katari, Tupac Amarú e Bartolina Sisa, e por outros da esquerda latino-americana, como o guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara ¿ morto na selva boliviana ¿ ¿e muitos outros¿. Também incluiu na homenagem os milhares de plantadores de coca ¿mortos da região central do Chapare, os cidadãos do bairro pobre de El Alto, os mineiros e os milhões de seres humanos caídos em toda a América¿.

No discurso, Morales afirmou que seu governo conclui 500 anos de resistência para iniciar uma era de 500 anos dos povos indígenas no poder¿. Mas ressalvou que governará para todos. ¿Estamos recordando nossa história de humilhação, verdade que dói, mas não estamos aqui para continuar chorando por estes 500 anos. Estamos num dia de alegria.¿

Ele fustigou o modelo econômico de livre mercado que começou a ser posto em prática no país em 1985. ¿Em vez de capitalizar, descapitalizou o Estado¿, disse. Prometeu realizar transformações econômicas e políticas, como a nacionalização do gás e petróleo, e a convocação da Assembléia Constituinte, prevista para julho. ¿Na Bolívia, o modelo neoliberal não continuará¿, enfatizou.

Foi fortemente aplaudido. Depois, ouviu-se no Congresso uma música do barroco colonial, acompanhada de cantos em quíchua. O novo vice-presidente, Álvaro García Linera, defendeu um Estado forte e solidário, com mais participação na economia, para que ¿proteja aos mais vulneráveis, que são a maioria do país¿. Depois das solenidades no Congresso, Morales se dirigiu ao Palácio Quemado, onde foi reconhecido como comandante-chefe das Forças Armadas.