Título: 'Rolando Lero' estará na campanha?
Autor: Marco Antonio Rocha
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

O prefeito de São Paulo, José Serra, não disse ainda, taxativamente, se vai disputar de novo a indicação pelo PSDB e se realmente entrará na liça para a sucessão de Lula. O que temos dele, de concreto, é a promessa de campanha de cumprir todo o mandato de prefeito. Aliás, entre parênteses, já está mais do que na hora de os candidatos à Prefeitura de São Paulo deixarem de lado essa bobagem de proclamar um ¿fico¿ antecipado, à guisa de d. Pedro I. De um lado, porque ninguém mais acredita nisso; de outro, porque a única maneira de fazer com que os prefeitos eleitos em São Paulo cumpram com esmero, dedicação, eficiência e proficiência os seus respectivos mandatos à frente do Município é fazer com que esse mandato coincida com os de presidente e governador, pois é mais do que legítimo, politicamente e psicologicamente, que um prefeito de uma cidade do tamanho de São Paulo aspire à Presidência da República, ou pelo menos à governança do Estado ¿ ao que teria oportunidade de se dedicar, findo o mandato de prefeito.

Parece que o único político brasileiro que só quis governar a cidade de São Paulo, e mais nada, foi Francisco Prestes Maia ¿ e por isso a governou bem nas duas vezes: a primeira, por nomeação (1938 a 1945), e a segunda, por eleição (1961 a 1965).

O terceiro motivo para se abandonar esse mantra inútil é que o eleitor não se interessa por saber o que o prefeito fará em quatro anos, e sim pelo que fará logo de entrada, no primeiro ano; e se ele conseguir fazer melhor no segundo ano, já é lucro para qualquer paulistano ¿ pode pleitear um upgrade.

Mas voltemos ao nosso Serra, que ainda não é candidato a presidente nem assegurou que quer ser, mas já fala como se fosse. Transcrevendo palavras suas, do Estado de terça-feira última: ¿Nossa economia pode funcionar com uma taxa de juros bem menor, com estabilidade e emprego. Vocês estejam certos de que isso é possível e vai ser feito em nosso país.¿

Que isso é possível não há dúvida. Mas ¿vai ser feito em nosso país?¿ ¿ assim, desse modo, afirmativamente? Por quem, cara-pálida, e quando? ¿ é a indagação que se impõe.

José Serra é um político inteligente, preparado, culto, experiente e adora o métier. Nada que o desabone, moralmente e politicamente, se tiver mesmo a intenção ou a pretensão de dirigir este país. Mas, como economista, não ignora que a chave moderna para se ter sucesso na condução da economia de um país, principalmente de uma do tamanho da brasileira, chama-se expectativa.

Essa tal de expectativa tanto pode gerar uma ¿exuberância irracional dos mercados¿, que Alan Greenspan apostrofou várias vezes ¿ e os fatos o cobriram de razão ¿, como pode, ao contrário, desencadear turbulências igualmente irracionais nos mercados, vide crises da Ásia, do México, da Rússia, etc., pelas quais o Brasil pagou o que não devia e ainda ficou devendo mais (que Lula acaba de pagar).

Então, é na capacidade de criar, fundamentar e gerir uma expectativa favorável, sólida e durável, entre parceiros e investidores, internos e externos, que reside o desafio maior de qualquer governo na condução da economia, mais do que saber exatamente o que fazer com os juros, com o câmbio, com os impostos, com a política monetária e fiscal e com os programas ditos sociais.

O governo Lula, contrariando, aliás, as expectativas que precederam sua ascensão, soube fazer isso, intuitivamente talvez, mas corretamente, nas políticas monetária e cambial. Faltou o complemento importante: criar a boa expectativa também na política fiscal, que é o que ainda azucrina o governo e gera desconforto entre investidores com relação ao ano que se inicia. Uma política fiscal solidamente institucionalizada, sob regras claramente expostas e sabidamente viáveis ¿ como as da Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, mas indo mais a fundo do que ela, inclusive no que se refere aos gastos públicos e ao destino dos superávits ¿, evitaria hoje as perguntas sobre se o governo resistirá ao pendor para a gastança na campanha eleitoral ou se remarcações de preços, juros futuros e inflação não se anteciparão preventivamente a isso.

É claro que é possível a economia funcionar com juros menores, com estabilidade e emprego. Tanto é possível que já está acontecendo. Os juros estão declinando, muito menos do que gostaríamos; a estabilidade está assegurada, ou pelo menos o risco de um repique maior da inflação foi superado; e o emprego está crescendo, de novo, muito menos do que gostaríamos também.

Falta o quê, exatamente?

Falta um ritmo bem maior de crescimento econômico, uma taxa de 5% ou de 6% ao ano, no mínimo, assegurada para um prazo longo.

Quão longo? Uma geração? Impossível?

Mas o Brasil já não teve isso? Já não foi saudado por manter uma elevada taxa de crescimento econômico por um tempo dos mais prolongados entre todos os países? A média histórica do crescimento econômico brasileiro não ficou em torno de 6% ao ano durante quase 50 anos?

E então?

Então talvez não haja condições, no mundo e no Brasil de hoje, para que isso se repita. Num país rural, com poucas indústrias, quando se instala uma usina siderúrgica, como em Volta Redonda na década de 40, a taxa de crescimento econômico dá um salto extraordinário, que influi na média. Mas, quando se ergue outra usina siderúrgica depois que 10 ou 15 já foram instaladas, o acréscimo na taxa não é significativo.

Mas ainda assim podemos hoje ter crescimento a uma taxa sustentável bem maior do que a atual. O importante, no caso, é o adjetivo ¿ sustentável. E, para ser sustentável, a ação proativa nessa direção tem que estar cercada de expectativa positiva também sustentável. Senão, acontece o que já tivemos nos últimos 20 ou 25 anos: stop and go ¿ um ano de vacas gordas para dois ou mais de vacas esqueléticas, ao sabor da sorte ou dos azares internacionais.

Então, a charada que José Serra ou qualquer outro pretendente ao trono do próximo mandato, inclusive o próprio Lula, terá que deslindar é como aumentar o ritmo de queda dos juros, como dar estabilidade ao câmbio, garantindo rentabilidade aos exportadores, e como ir reduzindo impostos para favorecer o aumento do consumo e dos investimentos. Mas sem que essas três coisas gerem, no mercado, uma expectativa perigosa de explosão da demanda, do emprego, dos salários, de instabilidade cambial e, por conseguinte, de inflação. Ou seja, as explicações sobre como fazer aquilo tudo têm de ser dadas de tal forma que convençam, plenamente, os agentes econômicos da viabilidade e da racionalidade da estratégia. Discursos de ¿Rolando Lero¿ para o ¿Amado Mestre¿ conquistam corações ¿ e audiências, como provou o saudoso ator Rogério Cardoso. Mas, para empresários, executivos e assalariados de alto nível, são a receita certa de desastre econômico. Este ano nos dirá qual tipo de discurso prevalecerá na campanha de qual dos candidatos.