Título: OMC tenta superar as divergências de Hong Kong
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2006, Economia & Negócios, p. B5
Tentando superar o mal-estar entre os principais países após a conferência de Hong Kong em dezembro, a Organização Mundial do Comércio (OMC) retoma hoje suas negociações sobre a liberalização do setor agrícola. A reunião em Genebra será o pontapé inicial para um ano que, segundo diplomatas, será crucial para a OMC, já que a entidade precisa concluir as negociações até fim de 2006 se não quiser ser marginalizada das decisões comerciais mundiais. Em Hong Kong, diante da falta de entendimento entre os países, o único ponto acertado foi o estabelecimento do prazo de 2013 para que os subsídios à exportação fossem retirados pelos países ricos. Muitos deles, porém, já estavam no processo de reduzir esse tipo de apoio. No caso da Suíça, por exemplo, o Parlamento local já havia até mesmo apresentado uma lei prevendo o fim dos subsídios. Mesmo assim, esses governos venderam caro a decisão aos países emergentes.
Todos os demais pontos da negociação ¿ tarifas de importação e subsídios domésticos ¿ ficaram para ser decididos até abril. O problema é que muitos analistas acreditam que o prazo só será cumprido se houver uma mudança radical no comportamento dos EUA e da Europa, que resistem a uma reforma dos setor agrícola.
Ao final da reunião em Hong Kong, o bate-boca e a troca de ofensas foi tão intensa entre os negociadores que o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, revelou a seus assessores que um dos desafios para 2006 seria conseguir que os principais ministros, entre eles o chanceler Celso Amorim, voltassem a se falar. Para tentar recriar um espírito de negociação, Lamy foi até Bruxelas nas últimas semanas para dialogar com o comissário de Comércio da União Européia (UE), Peter Mandelson.
Durante a conferência de Hong Kong, Mandelson acusou Lamy, em uma reunião fechada, de apoiar as idéias de EUA e Brasil. Esses países queriam que os europeus apresentassem um projeto para cortar de forma significativa as tarifas para a importação de alimentos e produtos agrícolas, o que foi negado por Bruxelas. Para muitos, Mandelson acabou sendo o responsável pelos resultados tímidos de Hong Kong, embora os 25 países do bloco europeu tenham saudado o negociador como um verdadeiro herói por não ter cedido às pressões americanas ou brasileiras.
Agora, os rumores em Genebra indicam que americanos e europeus estariam conversando para tentar superar suas diferenças e apresentar uma proposta. Mas para o temor dos países emergentes, tudo indicaria que esse entendimento entre Washington e Bruxelas apenas significaria uma redução nas ambições do corte de tarifas e de subsídios no setor agrícola. Se isso de fato ocorrer, quem estaria satisfeito seriam os setores protecionistas da indústria brasileira, já que o Itamaraty não aceitaria promover uma liberalização do setor manufatureiro sem uma contrapartida na agricultura.
Segundo negociadores, as reuniões desta semana em Genebra serão um teste para saber como cada país irá reagir ao que foi decidido em Hong Kong. Mas a grande abertura do processo de negociações deve mesmo ocorrer na sexta-feira e sábado em Davos, onde os ministros de comércio aproveitarão o Fórum Econômico Mundial para traçar um plano de ação até abril.