Título: Possuelo é demitido após críticas a Lula e à Funai
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/01/2006, Nacional, p. A6

O sertanista Sidney Possuelo foi exonerado ontem do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados, uma semana após ter feito, em entrevista ao Estado, duras críticas ao governo Lula e ao presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira. O ato, publicado ontem no Diário Oficial da União, teve repercussão no País e no exterior. ¿Mesmo que revoguem a demissão, me recuso a servir a um governo desse tipo. Só volto à Funai após a saída desse governo¿, desabafou Possuelo, para quem o governo adotou uma política nefasta no setor. Considerado o mais importante sertanista brasileiro da atualidade, Possuelo acha que a sua demissão foi uma retaliação às críticas que fez ao presidente da Funai. Mércio havia declarado, em entrevista à agência de notícia Reuters, que há ¿terras demais¿ para os índios no Brasil.

Para o sertanista, Mércio prestou um desserviço ao fazer tal declaração, às vésperas de decisões importantes envolvendo demarcações de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF). ¿Que espécie de presidente da Funai é esse?¿

Possuelo lembrou que, na condição de tutor legal dos povos indígenas, o presidente da Funai tem o dever de defendê-los. ¿Trata-se, no caso, de um tutor infiel¿, comentou o indigenista. Para ele, Mércio ¿é o homem errado no lugar errado¿. E explicou: ¿Trai a causa indígena e a própria memória da Funai, na luta pela preservação de suas terras e tradições.¿

Para Possuelo, Mércio jamais deveria externar opiniões como essa, pelos danos ¿irreparáveis¿ à causa indígena que pode provocar. Ele diz que falar mal de índios é lugar comum e o mínimo esperado de um presidente da Funai era defender os povos indígenas, vítimas de ¿políticas destrutivas¿ ao longo da história.

¿Quando a Funai diz que há terras demais, torna-se apenas mais uma voz fazendo coro com o preconceito, a violência e o abuso contra os direitos indígenas¿, enfatizou.

DIVERGÊNCIAS

Na entrevista à Reuters, Mércio criticou a luta dos índios pela demarcação das reservas: ¿É terra demais. Até agora, não há limites para suas reivindicações fundiárias, mas estamos chegando a um ponto em que o STF terá de definir um limite.¿

Ao rebater a declaração do chefe, no dia seguinte, em entrevista ao Estado, Possuelo disse que Mércio estava falando a mesma língua dos grileiros, madeireiros e garimpeiros e cobrou de Lula uma posição mais firme na política indigenista. ¿Se a nossa autoridade maior diz que tem muita terra para o índio, ela está afirmando que a sociedade nacional e os destruidores têm razão¿, reagiu.

Essa não é a primeira vez que Possuelo diverge do governo Lula. Em novembro, ele fez coro com oposicionistas que sugeriram à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que deixasse o cargo, em protesto contra a política ambiental do País.

Apesar das críticas sistemáticas, Possuelo mantinha uma relação amistosa com Mércio, que o sustentava na função estratégica, mesmo com as pressões do Palácio do Planalto para demiti-lo.