Título: Brasil e Índia bloqueiam avanços na OMC, acusa a UE
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/01/2006, Economia & Negócios, p. B7

GENEBRA - Às vésperas da reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, o comissário de Comércio da União Européia (UE), Peter Mandelson, acusou o Brasil e a Índia de bloquearem um avanço nas negociações da rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC). Cerca de 30 ministros das principais economias, entre elas o Brasil, irão aproveitar a reunião de Davos para tentar traçar um plano sobre como avançar com o processo negociador até o prazo de 31 de abril estabelecido pela OMC. Os países teriam, portanto, mais três meses para chegarem a um acordo sobre como devem ocorrer os cortes de tarifas de importação de produtos agrícolas, algo que deveria ter sido fechado em Hong Kong durante a conferência ministerial da OMC em dezembro. Nos últimos meses, porém, os europeus têm sido identificados como os responsáveis pelos avanços limitados, já que não aceitam novas aberturas para seu mercado agrícola.

Na avaliação do embaixador do Brasil na OMC, Clodoaldo Hugueney, não haverá progresso nas negociações enquanto os europeus não mudarem sua atitude. Para a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o cenário começa a ficar preocupante. Nas próximas semanas, a entidade irá reunir os vários setores para debater um plano de ação até abril. ¿Vamos nos mobilizar¿, afirmou um representante da CNA.

Mas ontem, Mandelson deu sinais de que dificilmente mudará de posição. Falando em Berlim, o comissário europeu insistiu em que não será a UE quemimpedirá um acordo e indicou que pode ter flexibilidade em sua posição. Mas isso ocorreria apenas se obtivesse o que quer do Brasil e Índia: acesso a seus mercados para produtos industriais e serviços.

¿O bloqueio não ocorre em Bruxelas, mas naqueles países que não conseguem apresentar uma oferta sobre tarifas industriais e serviços¿, disse Mandelson. ¿Está fora de cogitação realizarmos uma nova oferta em agricultura sem um compromisso dos demais em novas aberturas¿.

Ele tentou mostrar como os europeus estão ¿se sacrificando¿ ao abrirem seus mercados, sem uma contrapartida brasileira. A proposta européia prevê um corte médio de 39% em suas tarifas agrícolas. Já os americanos querem um corte médio de 66%, enquanto o Brasil defende uma redução de 54%.

O governo americano respondeu horas depois mostrando que a proposta européia não ajuda ninguém, principalmente ao manter 142 produtos fora de liberalização real. Pelos cálculos americanos, as tarifas para a importação da laranja na Europa cairiam apenas de 25,9% para 20,7%, caso a proposta de Mandelson fosse aceita. No setor de frangos, os europeus ofereceriam uma cota de 10 mil toneladas.

Mas, segundo Washington, isso representaria um aumento de consumo equivalente a pouco menos de uma coxa de galinha por habitante na Europa. Segundo Washington, a adoção da proposta européia também não abriria maiores oportunidades de negócios em outros mercados.

Nas Filipinas, a mesma fórmula significaria que o mercado de carne suína ficaria inalterado, enquanto a Índia poderia manter seus 50% de taxas sobre a importação de trigo. O Brasil não precisaria cortar suas tarifas de 10% sobre o trigo nem a de 27% sobre a importação de maçã.

O Japão manteria uma tarifa de 24% sobre o leite e a quedas nas tarifas sobre o vinho nos Estados Unidos seriam reduzidas em apenas 3%. ¿A proposta simplesmente não gera novas oportunidades de acesso a mercado no mundo¿, afirmou Rob Portman, representante da Casa Branca para o Comércio.

Nas últimas semanas, os europeus têm apelado aos americanos para que também pressionem o Brasil e a Índia a apresentarem uma oferta sobre a abertura de seus mercados.

Segundo Portman, Brasil e Índia nunca disseram que não poderiam fazer essa concessão, enquanto os europeus insistem em que essa seria sua última proposta.