Título: Crianças de rua
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2006, Notas e Informações, p. A3

Ao promover entre outubro e novembro um levantamento do número de crianças de rua em São Paulo, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social fez uma descoberta surpreendente. Atualmente, existiriam na capital apenas 1.030 meninos e meninas abandonados, vivendo debaixo de viadutos e pontes, banhando-se em chafarizes, pedindo esmolas, usando ou traficando drogas e praticando pequenos furtos. Eles representam somente 0,03% dos 3.126.725 paulistanos com até 17 anos. Muitos deles foram rejeitados por seus pais, perderam qualquer laço familiar, não dispõem de documentos e não sabem o sobrenome.

Para uma cidade de 10,9 milhões de habitantes, segundo as estimativas do IBGE, o número de crianças de rua parece excessivamente baixo. Mas, como lembra o próprio secretário Floriano Pesaro, ele pode ser ainda menor, pois como esses meninos e meninas circulam muito, principalmente pelos bairros mais ricos e onde há grande concentração de casas noturnas, como Pinheiros, Vila Madalena e Moema, elas podem ter sido contadas mais de uma vez.

A esses 1.030 menores abandonados, conforme o levantamento da Prefeitura, somam-se outros 3 mil que, diariamente, saem de bairros da periferia e da Grande São Paulo para vender balas, fazer malabarismos e pedir dinheiro em 180 cruzamentos da cidade. Estes meninos e meninas têm casa, moram com os pais e vão à escola. Mesmo assim, levando-se em conta que a região metropolitana tem hoje uma população de 19,7 milhões, esse número também é surpreendentemente baixo.

Por isso, se o levantamento da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social estiver correto, a dimensão do problema é muito menor do que parecia. Em outras palavras, embora as crianças de rua há muito tempo se constituam num dos problemas sociais mais visíveis de São Paulo, seu enfrentamento pode ser bem mais simples e menos oneroso do que se imagina. Em vez de gastar recursos escassos em convênios com organizações não-governamentais, movimentos comunitários e entidades assistenciais, que no conjunto empregam mais gente do que o número de crianças por eles beneficiados, têm alto custo administrativo e apresentam resultados muitas vezes discutíveis, a Prefeitura poderia agir de modo mais racional, com maior eficiência e a baixo custo, por meio de seus próprios órgãos, em colaboração com o Poder Judiciário e o Ministério Público.

O problema é o custo político dessa mudança radical de orientação. Várias das iniciativas já tomadas nesse sentido pela administração municipal acabaram esbarrando na resistência de determinadas ONGs e grupos religiosos. Seja por desvio ideológico ou simples demagogia, seja para não perder os recursos públicos que lhes garantem a sobrevivência financeira, essas entidades costumam apelar para jargões e campanhas fantasiosas. A última "moda" tem sido classificar pejorativamente como "higienistas" as ações postas em prática pela Prefeitura com o objetivo de reurbanizar áreas degradadas, limpar logradouros públicos, evitar assaltos em faróis praticados por meninos de rua e coibir a utilização de crianças abandonadas como aviões do tráfico.

A Prefeitura dispõe de 5 Centros de Referência da Criança e do Adolescente, que são a porta de entrada de uma rede com 5 casas de acolhida e 32 abrigos. A um custo de R$ 1,5 milhão por mês, essa rede atende não somente meninos e meninas abandonados, mas, também, menores de idade tirados do convívio familiar por determinação judicial ou encaminhados pelo Conselho Tutelar, como manda o Estatuto da Criança e do Adolescente. O objetivo da Prefeitura é terminar 2006 com 11 centros, um para cada Vara de Infância da capital, e desenvolver programas de reinserção social das crianças de rua com entidades assistenciais conceituadas e instituições universitárias, como o Projeto Pixote, vinculado à Universidade Federal de São Paulo.

Para chegar a um número preciso de crianças de rua, a Prefeitura encomendou um censo à USP. Se ele confirmar o surpreendente levantamento feito pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, enfrentar esse velho e angustiante problema será menos difícil do que se pensava.