Título: 'Há mais confiança no Brasil lá fora do que aqui dentro', diz Levy
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Economia & Negócios, p. B4

Entrevista Joaquim Levy: Secretário do Tesouro

Nos últimos dias, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, foi centro de uma polêmica. Tido como um dos integrantes mais ortodoxos do time da Fazenda, Levy surpreendeu com críticas aos excessos da política monetária do Banco Central e acabou levando um puxão de orelhas do ministro Antonio Palocci. Nesta entrevista, ele faz questão de dizer que o BC não impõe a taxa de juros e que o Tesouro não é um enxugador de gelo, economizando com superávit primário o que gasta em juros. Levy reconhece também que, apesar de todos os dados favoráveis, há mais confiança no Brasil lá fora do que aqui dentro e que a tarefa, agora, é conseguir que essa confiança se dissemine dentro do País. A seguir, os principais trechos:

Quando o senhor vende títulos do Tesouro Nacional em reais no exterior, o aplicador aceita uma remuneração de 12% ao ano. Mas, pelo menos até agora, aqui dentro, o senhor não consegue pôr os títulos a menos de 18%. Por que essa diferença se o título é o mesmo?

Parte da explicação é a de que, para o investidor externo, os títulos do Brasil são uma pequena parcela da carteira total que detém. Para o investidor interno, o Brasil é risco total porque ele está aplicado só em Brasil. O risco Brasil caiu. Há alguns anos, estava a 600 pontos; agora está abaixo dos 300. Há mais confiança lá fora do que aqui dentro. O que pretendo é que a maior confiança externa se dissemine também aqui dentro.

Mas, se o aplicador externo aceita uma remuneração mais baixa, por que o Tesouro não trata de aumentar as vendas no exterior e de reduzi-las no mercado interno?

Essa é a estratégia. De um lado, estamos reduzindo a dívida externa em moeda estrangeira; e, de outro, trabalhando para que o aplicador estrangeiro possa vir para o Brasil, com segurança, e comprar aqui os títulos do Tesouro. Quando isso estiver consolidado, o investidor estrangeiro fará saudável concorrência ao aplicador brasileiro e ajudará na queda dos juros.

Já que o mercado internacional está apostando na valorização do real, por que não aumentar a emissão de títulos em reais para o aplicador externo?

Nossa prioridade é trazer o investidor externo para dentro do País. Estamos trabalhando para facilitar o acesso; nosso mercado está bem estruturado, tem boa regulamentação, boa estrutura técnica e tecnológica. Enfim, eles estão vindo.

O senhor vende uma mercadoria importante. Mas quem impõe os preços (os juros) não é o secretário do Tesouro; é o BC ou o mercado. Por que os juros são tão altos?

Quem impõe os juros não é o BC. Ele trabalha para obter um equilíbrio que, dadas as percepções de risco, as demandas e as variáveis financeiras, não levem a uma inflação acima da meta. O preço dos títulos é dado pela percepção de risco do mercado. Esta é uma fase de transição. Há dez anos, os juros eram muito altos. Nos anos 70, o crescimento econômico foi maior do que o atual mas, junto com ele, sobrevieram os desequilíbrios. Veio a democratização e, com ela, mais demandas sociais que foram acomodadas com mais inflação. Quando esse quadro começou a reverter-se, os juros tiveram de ser muito altos. Agora, temos superávit em conta corrente, responsabilidade fiscal e as pessoas estão cada vez mais convencidas de que a inflação continuará baixa. O objetivo é trabalhar para que o custo seja menor.

O que o secretário do Tesouro consegue economizar em superávit fiscal é depois obrigado a repor porque os juros sobem. Há alguma coisa de errado na política monetária ou no regime de metas?

Não comento política monetária. De todo modo, não compartilho da visão de que o Tesouro gasta em juros o que economiza em superávit primário. Os juros que o Tesouro paga não têm a ver com os do BC, mas com as percepções do mercado. Temos de entender melhor quais os riscos que o Brasil enfrenta. É isso que vai determinar a curva dos juros. Nossa preocupação não são os juros básicos de hoje ou de amanhã; é a curva de juros de dois ou três anos à frente. Em janeiro de 2003, estava acima de 30%. Hoje, está em 15%. Já emitimos papéis de até sete anos para o mercado doméstico, o que nunca tinha ocorrido. Não é mérito só do Tesouro; é efeito de toda a política econômica.

O senhor vende títulos do Tesouro com prazos de vencimento mais amplos do que o mandato do atual governo. Como é que o senhor pode garantir para o investidor, de fora e daqui, que o governo federal não cairá nas mãos de um populista que opte pelo calote ou por quebras de contrato?

Não garanto nada; ofereço elementos. Cada um julgue e corra os riscos. A transição do governo anterior para este, a postura muito firme do presidente Lula e a dinâmica do setor produtivo são elementos importantes para isso. Quando esses conceitos são absorvidos, o investidor se sente mais confortável. Quando ele sabe que nem o governo nem a sociedade vão admitir descontroles, aumenta a confiança nos títulos públicos e os prazos podem ser cada vez maiores. É por isso que o Tesouro tem de ser transparente.

Por que o investidor externo vê menos riscos no Brasil do que o interno?

Talvez porque o investidor externo tenha com o que comparar. Ele aplica em vários países e tem confiança no Brasil. O investidor interno não tem como comparar e, escaldado no passado, está mais arisco. Hoje, o investidor externo contribui para aprimorar o mercado brasileiro de títulos públicos. É por isso que o Tesouro está empenhado em atrair o investidor externo e, assim, aumentar a competição por títulos brasileiros aqui dentro.

No mundo inteiro, os tesouros nacionais pagam os juros mais baixos do mercado. Só no Brasil é diferente. Clientes do BNDES, tomadores de crédito agrícola, exportadores e mutuários do sistema habitacional pagam juros mais baixos do que o Tesouro. Como acabar com essa distorção?

O caminho é melhorar as condições fiscais. Quanto maior for a confiança no futuro, menos as empresas e outros tomadores de empréstimo vão precisar de regimes especiais de crédito. Quanto mais melhorarem as condições da economia, mais o mercado estará oferecendo crédito livre a custos mais baixos.

Por que o Tesouro tem de pagar nos seus títulos os mesmos juros da política monetária e, por isso, tem de emitir mais títulos quando os juros sobem? O que falta para acabar com essa outra distorção?

O Tesouro paga os juros que os investidores estão dispostos a aceitar.

O Tesouro aumentou de 2% para 27% sobre o total da dívida a participação de títulos com remuneração prefixada. O que impede que o porcentual seja mais próximo dos 100%?

É preciso mais clareza sobre o futuro da economia. No passado, ninguém sabia o que faria o governo e quase ninguém estava disposto a correr risco. Hoje, a quantidade de risco que o mercado carrega é recorde, porque a confiança aumentou. Daí, a importância da meta de superávit primário. É um elemento essencial para aferir os riscos que um aplicador de dívida pública está correndo.

A proposta da meta de superávit primário mais alta ou a de uma meta de déficit nominal zero vão nessa direção. Mas até mesmo dentro do governo está sendo mal recebida. Assim, os juros não podem cair mais depressa...

Não é só isso. Para que o investidor em títulos brasileiros tenha confiança em que a dívida será honrada, a despesa pública não pode crescer mais do que o PIB. E o ajuste não pode ser mais feito por meio de aumento da carga tributária.

O que falta para o Brasil alcançar o grau de investimento em sua dívida pública? Quanto tempo leva?

Está a caminho. Há condições para que o próximo governo alcance esse grau.

O senhor está entre os que entendem que o real está sobrevalorizado? O que fazer para reverter essa situação cambial?

Nessa área não tenho sugestões inteligentes a dar.

O ministro Palocci está projetando para este ano um crescimento do PIB de 5%. O BC ficou nos 4% e o mercado aposta em 3,5%. Qual é o número mais provável?

Temos condições favoráveis: a massa salarial cresce; não se espera novo avanço da inflação neste ano; o setor externo está dinâmico. Mas não tenho um número para o PIB.

Há alguns meses, o BC dizia que um crescimento superior a 3,5% poderia trazer inflação porque o consumo estaria crescendo mais depressa do que a capacidade de suprimento do setor produtivo. Mas, agora, o BC projeta crescimento de 3,5%. Qual é o máximo de crescimento sem inflação que o País pode ter?

Isso varia de ano para ano. À medida que aumenta a confiança, aumenta esse número.