Título: DEPOIMENTO : JOSÉ SERRA
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Economia & Negócios, p. B1

Quando falei em lei de responsabilidade cambial, foi num sentido figurado. Quis dizer que não basta termos responsabilidade fiscal. É preciso também responsabilidade cambial e monetária.

Não dá para deixar o câmbio e o déficit público exclusivamente como resíduos da política monetária. O equívoco da política de juros desacelerou a economia, pressionou as contas públicas e valorizou artificialmente o câmbio. Estimula a entrada de dólares e, ao retrair o crescimento da economia, também freia as importações. Se os juros não foram a única causa da valorização cambial, certamente tiveram peso decisivo: a taxa real de juros projetada - acima de 12% ao ano - é cerca do dobro daquela do país segundo colocado. No ano passado, a taxa real média foi 13,5%!

Em 2005, o real foi valorizado em algo próximo de 20%, quatro ou cinco vezes mais que a média latino-americana. Por causa disso, devido ao encolhimento das exportações, só no Rio Grande do Sul 30 mil pessoas perderam o emprego no setor de calçados, que, aliás, é muito eficiente. Em Franca, foram 7 mil desempregados. Vamos perdendo mercados para a China, que hoje importa técnicos gaúchos para aprender a fazer sapatos. Enquanto isso, só com os desempregados gaúchos, o gasto público com o seguro desemprego aumentará cerca de R$ 90 milhões em seis meses e a arrecadação da Previdência cairá R$ 20 milhões.

Não defendo controle do câmbio - fui crítico do câmbio quase fixo quando foi praticado. Aliás, creio que fui o primeiro, no início de 2002, a lançar no debate nacional a expressão tripé da política macroeconômica: câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Por isso, posso criticar a dosagem errada.

A dosagem faz o veneno. Por que, entre tantos países que adotam metas de inflação, nenhum tem juros reais sequer próximos aos brasileiros? Por que tantos países que adotam o câmbio flutuante não tiveram suas moedas tão apreciadas quanto o real?Quando houver coordenação correta da política macroeconômica e uma política monetária inteligente, a taxa de câmbio não evoluirá de forma tão danosa.

O debate sobre a falta de crescimento da economia brasileira não se esgota nessa questão de juros e câmbio desequilibrado. Outros fatores, além dos encargos financeiros, também elevam o custo do capital no Brasil, como a carga tributária excessiva e a infra-estrutura precária... Nossa taxa de poupança é baixa, mas ainda assim tem se mantido no nível histórico. Mas os preços relativos dos bens de capital cresceram além da conta. O investimento público atingiu o nível mais baixo da história. Sequer andam os projetos pilotos livres de contingenciamento. Enquanto isso, os gastos correntes federais galopam sem parar. As concessões e as PPPs empacaram. As agências reguladoras foram politizadas e enfraquecidas, criando incertezas para os investimentos. Empresas federais foram aparelhadas como nunca. O governo tem sido incapaz de negociar com o Congresso uma política que reative os investimentos em saneamento.

Enfim, a dobradinha câmbio-juros é como um violino. Sozinho, não faz uma sinfonia. Mas, sozinho, se atravessar o tom, mata a música. Para crescer, precisamos, além de colocar o violino no devido lugar, movimentar a orquestra. Um desafio grandioso e complexo, mas é possível vencê-lo.