Título: Reforça-se a tese: bem antes de Colombo, Zheng He fez a América
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Vida&, p. A24

Mapa apresentado por colecionador reacende tese de que grande navegador chinês teria precedido europeus

Com altos custos, as expedições foram proibidas pela dinastia MingUm proeminente advogado e colecionador chinês revelou, na segunda-feira passada, um velho mapa que ele e alguns apoiadores dizem poderá derrubar uma das crenças centrais da civilização ocidental: a de que os europeus foram os primeiros a circunavegar o mundo e a descobrir a América.

O mapa chinês foi traçado em 1763, mas Liu Gang, sócio de um conhecido escritório de advocacia de Pequim e historiador amador, diz que se trata da reprodução de um mapa de 1418. Apresenta o mundo como um globo com todos os principais continentes representados com uma exatidão que os mapas europeus só teriam século e meio mais tarde, depois de Cristóvão Colombo, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, Bartolomeu Dias e outros que empreenderam suas famosas explorações.

Mas o mapa mereceu uma recepção fria por alguns estudiosos e é pouco provável que consiga persuadir os céticos de que marinheiros chineses foram os primeiros a circunavegar o mundo.

Liu Gang declarou que adquiriu o mapa por U$ 500 em uma livraria de Xangai em 2001 e só depois descobriu seu valor. Ele diz que consultou estudiosos da área e fez extensas pesquisas por conta própria antes de decidir levar a público sua descoberta. "O principal não é o mapa em si", disse ele numa coletiva à imprensa. "É o potencial da informação do mapa de mudar a história."

Em questão estão as sete viagens de Zheng He, cujos navios navegaram os oceanos Pacífico e Índico de 1405 a 1433. Registros históricos mostram que ele explorou o Sudeste Asiático, a Índia, o Golfo Pérsico e a costa leste da África, usando técnicas de navegação e navios muito à frente de seu tempo.

COLÔNIAS NA AMÉRICA DO SUL

Mas um pequeno grupo de estudiosos liderado por Gavin Menzies, um ex-comandante da Marinha britânica, argumenta que Zheng He viajou até muito mais longe do que a maioria dos estudiosos chineses e ocidentais reconhecem. Menzies afirma que Zheng He esteve na América 71 anos antes de Cristóvão Colombo colocar o pé no continente.

No livro 1421: The Year China Discovered America ("1421: O ano em que a China descobriu a América", editora William Morrow/HarperCollins), escrito em 2003, Menzies apresenta evidências amplas - mas muito contestadas - de que Zheng He navegou até a costa leste dos Estados Unidos de hoje já em 1421. Ele teria até mesmo estabelecido assentamentos na América do Sul.

O autor também ousa afirmar que mapas elaborados por Zheng He e seus auxiliares foram copiados por cartógrafos europeus e utilizados em expedições dos mais importantes exploradores ocidentais, como o próprio Colombo, Fernão de Magalhães, Vasco da Gama e Francis Drake.

Só quando Liu Gang terminou de ler a última página do tratado de Menzies - um sucesso de vendas -, foi que ele percebeu o potencial revisionista que trazia o mapa que lhe custara meio milhar de dólares.

DISCRIÇÃO CHINESA

Antes do agora famoso pedaço de papel pouca gente sabia, mas as façanhas do almirante Zheng He eram objeto de especulações há anos, em parte porque parcela considerável dos registros históricos foi destruída quando imperadores chineses posteriores mudaram de idéia sobre a sabedoria da política de se conectar ao mundo exterior.

Logo depois da última aventura de Zheng He, que era entusiasticamente apoiado pelo Imperador Zhu Di, a dinastia Ming proibiu a exploração dos oceanos, sob pena de morte. Os altos custos das façanhas do almirante explicariam em parte o veto.

No ano passado, o governo comunista da China comemorou o 600º aniversário das viagens mais conhecidas de Zheng He, mas Pequim conserva a tradição discreta e não tem se empenhado ativamente em promover a idéia de que ele viajou muito além das praias asiáticas e africanas.

DESCOBRIDOR DO MUNDO

O doutor Liu Gang, especializado em Direito Comercial, admite que não tem evidências sólidas da existência e autenticidade do mapa de 1418. A única prova que pode exibir à aturdida platéia de estudiosos e historiadores é tão-somente a palavra do autor do mapa de 1763, período em que todas as conquistas cartográficas ali registradas eram conhecidas.

Ainda assim ele insiste: "o mapa nos diz que Zheng He descobriu o mundo". De fato, o inusitado pedaço de papel traz os contornos da Antártida e do norte do Canadá, muito antes de que exploradores ocidentais chegassem perto daquelas paragens.