Título: Em busca dos ancestrais dos tupis
Autor: Ernesto Batista
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Vida&, p. A23

No Maranhão, pesquisadores traçam origem dos índios que tomaram o País

Os traços de habitação humana no Estado do Maranhão remontam a uma época muito anterior à chegada de Henrique de La Rocque, o senhor de La Ravardiére, que tentou estabelecer uma colônia francesa no início do século 17 onde hoje é a capital São Luís.

Arqueólogos começaram no início do mês a trabalhar em um sítio arqueológico no município de Urbano Santos, a 300 quilômetros de São Luís, onde estão sendo desenterrados vestígios de ocupação por prototupis, indígenas que viveram no litoral norte brasileiro entre 800 e 1200. Eles deram origem aos tupis que habitavam o litoral atlântico e a região central do Brasil quando os portugueses chegaram ao país.

A área foi achada durante o levantamento arqueológico do terreno que receberá uma planta de produção de celulose, trabalho exigido para que a obra obtenha licenciamento ambiental.

As escavações estão no início, mas já foram encontrados restos de fogueiras, que vão permitir a datação do sítio, e cacos de cerâmica - todos com bordas decoradas com detalhes pintados em vermelho, que permitiram a identificação do grupo que havia ocupado a região.

Segundo o líder da expedição, Deusdedith Cordeiro, do Centro de Arqueologia e História Natural do Maranhão, o sítio ainda está sendo mapeado. "Neste momento, o trabalho servirá para dimensionar a área de ocupação."

ORIGEM DE TUPIS E GUARANIS

Os prototupis eram povos semi-sedentários, conheciam técnicas agrícolas e produziam cerâmica, porém ainda caçavam e coletavam alimentos. Eles saíram de Roraima e começaram a migrar e ocupar o litoral do Brasil a partir do século 10º.

Esses povos teriam adotado duas rotas migratórias: uma seguiu pelo litoral até o Rio; outra ocupou primeiro o Pantanal, foi até o Sul e subiu a costa até o Sudeste. Os povos que seguiram a primeira rota deram origem aos tupis. Os que seguiram a segunda, aos guaranis.

A identificação dos artefatos foi confirmada por um dos principais especialistas brasileiros, o mineiro André Prous, da PUC de Minas Gerais. "Hoje as peças constam de um catálogo nacional que Prous está organizando sobre cerâmica indígena achada em todo o País", diz Cordeiro.

As primeiras conclusões baseadas nos achados são que as urnas trazem desenhos que imitam as vísceras humanas. "Há a possibilidade de que os indígenas separassem as partes dos corpos de seus mortos e depositassem em separado nas urnas com desenhos correspondentes à massa encefálica, ao intestino e aparelho digestivo, ao tronco, cabeça e membros, para só então enterrá-los", explica o arqueólogo.

Essa não é primeira vez que traços dos prototupis são encontrados no Maranhão. Nos anos 1930, o pesquisador Olavo Corrêa Lima achou em Bacabal, a 200 km de São Luís, o primeiro indício da passagem desse povo. Na década de 1950, o arqueólogo amador maranhense Antônio Lopes também achou restos de cerâmica característicos na localidade de Cutim. Em ambos os casos, eram cacos com pigmento vermelho.

O achado mais importante ocorreu em 2004, quando dois irmãos cavavam uma fossa numa favela de São Luís e descobriram cinco urnas funerárias. O material foi levado para o Centro de Arqueologia e História Natural do Maranhão para restauração.

Para a arqueóloga Solange Caudareli, que trabalha com Cordeiro, o último achado feito em São Luís é um dos mais importantes de cerâmica prototupi já feitos na região Norte. "Os artefatos foram desenterrados praticamente inteiros. Eles são uma oportunidade única para se entender a cultura desse povo."