Título: `O Hamas não pode comer o bolo e deixá-lo intacto ao mesmo tempo¿
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Internacional, p. A20

Apesar de concorrer nas eleições legislativas palestinas pelo recém-criado partido moderado independente Terceira Via, o ex-ministro para Assuntos de Jerusalém Ziad Abu Zayyad disse ao Estado que torce pelvitória da Fatah. Para Zayyad, caso o Hamas vença, o grupo terá de escolher: ou deixa o extremismo e reconhece Israel, ou desmantela o Parlamento e a própria Autoridade Palestina.

Advogado e jornalista, Abu Zayyad, de 65 anos, foi um dos líderes da delegação palestina que negociou os Acordos de Madri, em 1991, abrindo caminho para os Acordos de Oslo, dois anos depois. Em 1996, foi eleito pela Fatah para o Parlamento da AP. Mas com o aumento das acusações de corrupção contra o partido, Zayyad deixou a Fatah para formar o Terceira Via, que prega negociações imediatas com Israel para traçar as fronteiras do futuro Estado Palestino.

Qual a importância dessas eleições para os palestinos?

A votação é muito importante. A última vez que tivemos eleições foi em 1996. Precisamos reeleger nosso Parlamento. Precisamos de novos representantes, novos deputados. Precisamos também incluir novos partidos no governo. Afinal de contas, passaram-se quase dez anos da última votação e muita coisa mudou na Autoridade Palestina.

O senhor acredita que o pleito acontecerá sem violência na Cisjordânia e na Faixa de Gaza?

Eu espero. Mas, sinceramente, não posso ter certeza.

Como está a situação da Fatah a tão poucos dias das eleições?

A Fatah continua sendo forte. Imagino que vá conseguir uns 40% dos votos. Se vencer, o que eu espero que aconteça, vai ter o apoio de candidatos independentes, como eu, que devem conseguir entre 22% e 30%. Esses dois porcentuais somados querem dizer que a Fatah deve se unir aos independentes num governo de coalizão. Esse é o cenário perfeito, para mim.

E o Hamas?

O Hamas deve ganhar muito apoio, mas não acredito que vá se tornar maioria no Parlamento. Ele vai apenas se tornar um partido de oposição forte. E isso é importante, não é para ser ignorado. É bom que haja uma interação pacífica entre todas as facções do povo.

Se o Hamas vencer, quais serão as conseqüências dentro da Autoridade Palestina? As negociações com Israel vão parar?

Antes de tudo, não acredito que isso vá acontecer. Mas se acontecer, o Hamas vai ter de entender que, se quiser estar no governo, precisa obedecer às regras políticas e honrar os acordos fechados anteriormente pelo governo palestino. A AP foi criada pelos Acordos de Oslo, no começo da década de 90. Se o Hamas insistir em não reconhecer Israel, quer dizer que não reconhece também esses acordos e, conseqüentemente, não reconhece a existência da própria AP.

E se o Hamas insistir em não reconhecer Israel...

Caso ele vença as eleições, não terá outra saída. Não se pode comer o bolo e deixá-lo intacto ao mesmo tempo. Ou o Hamas reconhece Israel e se transforma num partido como a Fatah ou desmantela o Parlamento e a própria AP.

Os eleitores do Hamas levam em conta esse tipo de perigo?

Creio que sim. Os palestinos sabem o que está em jogo.

Os palestinos estão entusiasmados com a votação?

Nem entusiasmados nem indiferentes. As pessoas estão mais é obcecadas com os crimes diários dos sionistas contra os palestinos. Mas as eleições são importantes. Precisamos de democracia, acima de tudo.