Título: Morales assume hoje presidência da Bolívia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Internacional, p. A16

Posse do ex-cocaleiro deverá ter a presença de quase todos os presidentes latino-americanos

Convertido no ícone da maioria indígena, o ex-líder cocaleiro Evo Morales assume hoje a presidência da Bolívia numa cerimônia sem precedente em La Paz.

Autoridades de mais de uma centena de países, dirigentes de movimentos sociais dos mais distintos pontos do planeta estão na principal cidade boliviana para a posse de Morales, que venceu no primeiro turno a eleição de 18 de dezembro.

Ex-pastor de lhamas que despontou no cenário político pela intransigente defesa dos interesses dos plantadores de coca da região do Chapare (centro), Morales é primeiro indígena eleito presidente.

Sua ascensão, baseada num discurso esquerdista e nacionalista, chamou a atenção de personalidades como o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, que o recebeu na África do Sul. Além do país africano, o presidente eleito visitou Cuba, Espanha, França, Argentina, Brasil e China - sempre recebido com honras de chefe de Estado e vestindo a sua invariável chompa de alpaca. Na festa de hoje, espera-se que mantenha o figurino sindicalista-indígena.

Na cerimônia estarão presentes entre outras autoridades o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, o herdeiro do trono espanhol, Felipe de Bourbon, e quase todos os presidentes dos países do continente.

Também estará em La Paz o presidente chileno em fim de mandato, Ricardo Lagos. Chile e Bolívia romperam relações diplomáticas em 1978, por causa da reivindicação boliviana de uma saída para o mar - perdida para os chilenos na Guerra do Pacífico, no século 19.

Morales assume a presidência com uma agenda ambiciosa. Sua principal promessa de campanha foi a de levar adiante o processo de nacionalização do gás e petróleo bolivianos - tema que interessa ao Brasil. A estatal Petrobrás investiu US$ 1,5 bilhão na Bolívia nos últimos nove anos e é a maior multinacional que atua no país. Morales, porém, se comprometeu a não expropriar nem confiscar bens de empresas estrangeiras.

A questão da coca boliviana preocupa os EUA, que temem um aumento da área de cultivo sob a presidência de Morales. Legalmente, os cocaleiros (plantadores de coca) bolivianos podem cultivar 12 mil hectares, mas o presidente eleito já se manifestou em favor da ampliação desse limite - sob o argumento de que os agricultores não podem ser punidos pela disseminação da cocaína no mundo ou pelo consumo da droga nos EUA.

Outra preocupação da Casa Branca é a proximidade de Morales com Fidel e com seu colega venezuelano, Hugo Chávez - as duas principais pedras no sapato de Washington no continente.

RITUAL INDÍGENA

Morales foi investido ontem como "chefe supremo dos indígenas dos Andes" em um antigo ritual indígena realizado no local sagrado de Tiwanaku, perto de La Paz. Descalço, vestido com um poncho vermelho e usando uma coroa de flores, Morales foi entronizado em uma cerimônia nas ruínas pré-incaicas, onde os sacerdotes lhe transmitiram energia e poderes espirituais para ajudá-lo nos cinco anos de mandato.