Título: O adeus melancólico de Soares
Autor: Jair Rattner
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Internacional, p. A14

Campanha agressiva não agrada e ex-presidente amarga o terceiro lugar nas pesquisas

Com uma fatia de apenas 12% a 16% das intenções de voto para presidente, o político mais conhecido de Portugal está perto de um final melancólico de sua carreira. Mário Soares, de 81 anos, está em terceiro lugar na corrida presidencial, e todas as sondagens apontam uma vitória no primeiro turno do candidato da direita, Aníbal Cavaco Silva, com pelo menos 52%.

"Vai acontecer o mesmo que aconteceu com Churchill, derrotado depois de ter vencido a guerra. Ele tem razão no que diz, mas a realidade mudou", avalia o analista político português Carlos Magno.

"Tenho pena. Votarei em Cavaco, mas reconheço que Soares foi uma figura importantíssima da política portuguesa tanto antes do 25 de Abril, como personalidade da oposição, como depois, quando garantiu a democracia contra a tentação totalitária dos militares influenciados pelo Partido Comunista. Foi ele que, contra a opinião de muitos economistas, pediu a adesão do país à Comunidade Européia", lembra o diretor da Rádio Renascença e analista político Francisco Saarsfield Cabral. Tanto Magno como Cabral consideram que foi um erro Soares concorrer à presidência pela terceira vez, dez anos depois de terminar seu segundo mandato. E apontam erros em sua campanha.

"Ele fez uma campanha contra o Cavaco, e o eleitorado não entende isso. Os eleitores esperavam um discurso pela linha positiva, mais otimista. Soares fala que a presidência não serve para nada e ao mesmo tempo diz para não elegerem o Cavaco", avalia Magno.

Para Cabral, apesar de ter demonstrado coragem ao concorrer com 81 anos, Soares erra no que diz: "Ele adotou um estilo de campanha que não agrada aos portugueses, muito agressivo, cujo único tema é o ataque a Cavaco. Soares não dá uma imagem simpática de si próprio." Em desvantagem nas pesquisas, Soares passou a boicotar a imprensa, dizendo que esta apóia o candidato da direita. "Ele não obteve a adesão que esperava ao lançar a campanha. Pensava que, quando Cavaco entrasse na disputa, mais pessoas iam apoiá-lo, mas a campanha não decolou", diz Cabral.

A esperança de Soares é que se repita o que ocorreu nas eleições de 1986, quando assumiu pela primeira vez a presidência. Nesse ano, ele entrou na campanha com 8% das intenções de voto, em quarto lugar, mas conseguiu ir para o segundo turno com 25,4% - contra 46,3% do candidato da direita, Diogo Freitas do Amaral. No segundo turno, Soares venceu por apenas 50 mil votos.

Filho de um político do Partido Republicano que foi ministro das Colônias em 1925 (no governo que caiu quando começaram os 48 anos de ditadura de Antônio de Oliveira Salazar), Soares iniciou a militância na oposição nos anos 40, ligado à juventude do Partido Comunista Português. Em 1950, saiu do PC e entrou no curso de direito. Depois de formado, dedicou-se à defesa de presos políticos. Em 1966, foi deportado para a colônia portuguesa de São Tomé, onde ficou dois anos, e em 1970 foi para o exílio em Paris.

Foi na Alemanha, em 1973, que fundou o PS português. Com a queda da ditadura, em 1974, foi aclamado como herói e convidado para ser chanceler. Depois, foi o primeiro-ministro (1976-78) cujo governo teve de recorrer ao Fundo Monetário Internacional. Voltou ao posto de 1983 a 1985. Em 1986, apenas três meses depois que o PS sofreu sua maior derrota em eleições parlamentares, conseguiu ser eleito presidente, cargo que ocupou até 1996.