Título: Portugal pode eleger direitista hoje
Autor: Jair Rattner
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Internacional, p. A14

Com 52% nas pesquisas, Cavaco Silva pode tornar-se o primeiro presidente de direita desde a Revolução dos Cravos

LISBOA

Apenas 9 meses depois de os portugueses terem dado aos socialistas e à esquerda a maior vitória parlamentar desde o início do regime democrático, o país se prepara para mais uma reviravolta, desta vez na eleição presidencial. O candidato Aníbal Antônio Cavaco Silva, de centro-direita, que chefiou o governo por dez anos, é dado como vencedor da eleição que acontece em primeiro turno hoje.

Se for confirmada, a vitória de Cavaco Silva, a primeira de um candidato de direita desde a revolução de 25 de abril de 1974, pode significar uma modificação na forma como os presidentes até agora exerceram o poder no país. Em Portugal, o presidente tem poderes limitados. Veta leis (mas se o Parlamento voltar a aprová-las ele é obrigado a promulgar) e tem o recurso de acionar o que os políticos portugueses chamam de "bomba atômica", ou seja, dissolver o Legislativo sem necessidade de justificar os motivos (a Constituição diz que é um poder discricionário do presidente). Todas as decisões de governo são tomadas pelo primeiro-ministro.

Na avaliação do analista Carlos Magno, um Cavaco Silva presidente poderá mudar o papel até agora exercido pelos seus antecessores porque existe uma grande demanda para que isso aconteça. "Cavaco Silva não tem um programa presidencial, mas um programa de governo. O eleitorado que vota nele quer que as coisas mudem, quer que o presidente controle o governo, estabeleça metas e objetivos", diz Magno.

A vitória de Cavaco é indicada por todas as últimas sondagens - com porcentagens entre os 52 e 53%. A esperança da esquerda, dividida entre cinco candidatos, é que a possibilidade de um segundo turno encontra-se dentro da margem de erro das sondagens e nos votos dos indecisos, que estariam entre 10 e 23%.

A divisão da esquerda atinge o próprio Partido Socialista (PS), de onde vêm dois candidatos: o ex-presidente Mário Soares, com 81 anos, e o poeta e deputado Manuel Alegre. A maior parte das sondagens coloca Alegre em segundo lugar (entre 19 e 16%) e Soares em terceiro (16 e 12%). É a terceira vez que Soares concorre à presidência e na sua campanha nota-se a presença de eleitores mais velhos - numa ação de campanha realizada na quinta-feira, mesmo os que levavam adesivos da juventude socialista tinham mais de 40 anos. "Não confie nas sondagens, são apenas mais um instrumento de pressão", disse Soares ao Estado.

Dentro do PS, a candidatura de Alegre provocou uma crise. O aparelho do partido ficou com Soares, mas muitos militantes apóiam Alegre, que apesar de ser militante desde 1974, ter sido vice-presidente do Parlamento pelo partido e manter um lugar de deputado, apresenta-se como independente.

Num período de crise econômica, para muitos socialistas Alegre representa a imagem que gostariam de ter, ligada à cultura, com apoio de músicos, artistas e poetas. Todas as suas ações de campanha têm leitura de poesias.