Título: 'Lula não está morto, mas é um candidato derrotável'
Autor: Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Nacional, p. A10

Governador tucano vê rival enfraquecido, mas competitivo, e acha que PSDB está pronto para fazer País crescer CAMPANHA: " Não vamos precipitar a decisão, mas não vamos deixar também que o tempo nos engula" UNIÃO:"O PSDB estará absolutamente unido em março. Por uma razão: não somos um partido de aventureiros"

Não só pela recuperação que mostrou na última pesquisa Ibope, mas pelas fortes armas de que disporá na sua luta pela reeleição, até outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um adversário que merece todo respeito. A opinião é do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), que sempre desconfiou de outros líderes tucanos que já começaram a cantar vitória. "Lula não está morto", adverte Aécio. Além de preservar as pontes de diálogo com o Planalto, ele se empenha em baixar a temperatura da disputa política dentro do PSDB, no qual governador Geraldo Alckmin e o prefeito José Serra lutam pela candidatura à Presidência.

As conversas sobre candidatura tucana vão se intensificar nesta semana, quando o presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador de Minas Gerais terão um novo encontro. No cenário de disputa entre PSDB e PT, Aécio não tem dúvidas de que "Lula é um candidato derrotável", como afirma nesta entrevista.

Surpreende a preferência dos deputados tucanos por Geraldo Alckmin na disputa com José Serra pela candidatura presidencial?

Eu confesso que a diferença está acima das expectativas, até das expectativas do próprio Alckmin, o que mostra que ele soube trabalhar com competência as bases do partido. Mas é um dado importante no processo de definições.

Qual o peso da bancada federal na escolha do candidato?

O partido não tem uma decisão tomada e a meu ver nem precisa tê-la antes do prazo que estabelecemos. São inúmeros os parâmetros que vão nos levar à definição. Este certamente é um parâmetro relevante. Mas outros devem ser analisados, como a capacidade do candidato de construir alianças, o potencial de crescimento durante a eleição, a combatividade.

A definição ficará nas mãos de meia dúzia de tucanos?

Quando se fala que três ou quatro pessoas vão definir, não é isso. Talvez três ou quatro pessoas conduzam o processo, que é sobretudo de consultas e avaliação.

Houve precipitação no processo interno de definição?

Não vejo precipitação. Acho que as coisas estão ocorrendo no momento adequado. Não vamos precipitar a decisão, mas não vamos deixar também que o tempo nos engula.

Quais são os trunfos de Serra?

Serra é um homem testado nacionalmente. É conhecido, combativo, tem grande capacidade para o enfrentamento e para o debate. Estes são seus grandes trunfos: combatividade, visão nacional e preparo. Não teremos surpresas com Serra na campanha eleitoral.

E os trunfos de Alckmin?

Alckmin é a novidade. A população do Brasil que quer voltar a ter esperança pode ver nele algo novo, ético e eficiente. Tem uma gestão extremamente aprovada no maior Estado do País e acho que pela primeira vez a questão da gestão pública eficiente terá importância grande no debate político, até para se contrapor à ineficiência e ao despreparo do PT no governo. Alckmin pode se apresentar como o grande gestor. Mas o presidente Lula diz que também tem o que mostrar e que os números de seu governo são muito positivos. Tudo o que é real e consistente pode ser potencializado na campanha, mas a ineficiência é absolutamente real. A incapacidade de planejamento do governo é um fato, está enraizado. Lula perderá as eleições muito menos por seu partido ter vínculos com a corrupção e muito mais porque as pessoas percebem que é um governo incapaz e despreparado do ponto de vista gerencial.

A temperatura elevada dessa disputa aumenta o risco de um racha interno?

O PSDB em março estará absolutamente unido por uma razão: nós não somos um partido de aventureiros. Temos uma responsabilidade imensa com o Brasil e, por mais legítimas que possam ser as postulações individuais, no PSDB ficarão sempre subordinadas ao interesse maior do partido. Temos um doce problema que todos os partidos gostariam de enfrentar, que é ter mais de um nome qualificado e em boas condições na disputa. Mas o doce problema trouxe o gosto amargo da divisão na última eleição, em que o partido não marchou unido. Isso serviu de experiência. O PSDB amadureceu. Ficar oito anos no governo e passar por um processo eleitoral em que a unidade interna não estava amalgamada, produzindo o resultado a que assistimos, foi pedagógico.

Vocês estão seguros de que não haverá dissidência?

Aquele que for preterido não o será por razões de ordem pessoal, mas com argumentos que mostrarão que o outro é mais competitivo. Não será uma opção pelo mais simpático, mas pelo mais competitivo.

A última pesquisa do Ibope recolocou Lula na condição de candidato competitivo.

Eu nunca, em nenhum momento, desprezei a força de Lula. Lula não está morto. Ele parte de uma base muito sólida. Não é o candidato favorito que seria há um ano, mas certamente será competitivo. Mas acho que ele é um candidato derrotável.

Onde está a força eleitoral do governo depois de tantas denúncias de corrupção?

O presidente Lula tem uma história respeitável. Não podemos desconhecê-la. Mas de toda a forma ele viverá uma campanha sofrida do ponto de vista pessoal. Ela será muito dura para o presidente porque, diferentemente do que ele fez o tempo todo na eleição passada, que foi atacar e vender ilusões, agora terá que fazer uma campanha inteiramente defensiva. Terá que ser um outro Lula, não o da bravata.

Com Alckmin livre para concorrer e José Serra tendo de abrir mão do cargo de prefeito, não seria mais conveniente para o PSDB manter a Prefeitura de São Paulo e não correr riscos?

Qualquer um dos dois candidatos precisará ter o outro à frente de sua campanha. Se for Serra, será preciso que Alckmin lidere a campanha em São Paulo, e se for Alckmin Serra terá de ser um dos seus pilares. É claro que Serra tem o problema da Prefeitura.

É intransponível?

Acredito que não, mas esse fator será levado em consideração na hora da escolha.

Alguns tucanos disseram que o senhor está negociando o mandato de cinco anos, sem reeleição, para se candidatar em 2010.

Eu sempre defendi o mandato de cinco anos. A reeleição não tem sido, a meu ver, produtiva para o País. Ela quase que obriga o chefe do Executivo à disputa, sob o risco de desagregar a sua base. O que vem ocorrendo com relação ao governo federal é muito nítido. Com dois anos de governo o presidente monta um governo, não priorizando a qualidade, mas as alianças que sustentariam seu projeto de reeleição. Eu preferiria um mandato de cinco anos sem reeleição. Mas é óbvio que isso não é uma precondição. Seria ridículo pensar que eu estaria condicionando a isso meu apoio a A ou B, até porque a decisão não é dos candidatos. É uma decisão que o Congresso terá que tomar.

O senhor acredita que o Congresso possa aprovar uma emenda constitucional aumentando o mandato presidencial e acabando com a reeleição até outubro?

Não é fácil, mas eu vejo apoios em partidos de posição muito distinta no Congresso. Setores do PT e o próprio Lula apóiam a tese.Esse debate não será definidor para a escolha do candidato do PSDB, é claro, mas acontecerá. Vejo simpatias de todos os lados por essa tese.

Além de um bom candidato, do que precisa o PSDB para vencer as eleições?

Precisa apresentar as linhas gerais de um novo projeto de País. Não podemos nos esquecer de que governamos por oito anos, tivemos inúmeros acertos, mas cometemos equívocos. As pessoas precisam enxergar no partido um PSDB amadurecido, renovado por propostas novas e em melhores condições do que o presidente Lula e o PT de colocar o País no processo de crescimento e desenvolvimento.

Isto implica um novo projeto de política econômica?

Implica uma política mais ousada. Temos de deixar claro que teremos muito mais ousadia para aproveitar esse momento extremamente positivo que o mundo vive e que o Brasil vem desperdiçando nos últimos três anos. Tenho conversado com os principais líderes do PSDB e acho que estamos atrasados na definição das prioridades programáticas do partido. A reforma política precisa ser feita no início do novo governo, com a força que ele trará das urnas. Embora alguns detalhamentos dependam do candidato, temos de definir as linhas gerais do modelo tributário e de desenvolvimento regional que queremos para o País. Nosso candidato não será messiânico. Será líder, condutor de um projeto.

A ousadia passa por uma nova política de juros, por exemplo?

Certamente sim, até porque deixará de existir aí o risco PT. A contestação permanente do PT à política econômica foi que levou o governo a cada vez se justificar mais, com os juros altos, para dizer que não cederia ao populismo e à irresponsabilidade fiscal de setores do PT. Quando o PT não estiver mais presente e com a responsabilidade e seriedade que o PSDB inspira nos mercados haverá um espaço maior para muito mais rapidamente fazermos uma inflexão nas taxas de juros, sem riscos maiores de um descontrole inflacionário. Sem dúvida, com o PSDB no governo o Brasil crescerá muito mais rápido.

E o que ocorrerá na hipótese de vitória do PT?

Se vencer as eleições, o presidente Lula terá uma dificuldade quase que intransponível de construir uma base sólida que lhe dê sustentabilidade por mais quatro anos. Ele será refém de uma base pulverizada, sem nenhuma identidade do ponto de vista ideológico e programático, que vai lhe sugar o resto de sangue que possa lhe restar nas veias. Se eventualmente isso ocorrer, temo por um final dramático. A governabilidade lhe custaria um preço extraordinário porque o PT virá menor e as dificuldades aumentarão pela ausência de perspectiva de um outro mandato à frente.