Título: Descendentes de escravos conseguem regularizar área
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Nacional, p. A4,6

Moradores da Comunidade São Pedro enfrentaram violentos conflitos na década de 70

Numa região incrustada na Mata Atlântica e próxima ao Rio Ribeira de Iguape, em São Paulo, 39 famílias descendentes de quilombolas conseguiram há cinco anos a titulação da área em que vivem, pouco mais de 4.600 hectares, alvo de violentos conflitos nos anos 70.

A ação de grileiros e fazendeiros na Comunidade São Pedro culminou com a queima de algumas casas e a morte de um morador. "Eles compravam 10 alqueires da gente e pegavam 100 ou mais. Quando percebemos o que estavam fazendo, começaram a nos pressionar", lembra Isair de França, 71 anos.

O crime na terra onde o escravo fugido Bernardo Furquim de Campos se estabeleceu em 1856 fez a população reconstruir suas casas mais próximas umas das outras, como num vilarejo, para se proteger. "Somos todos descendentes dele", diz Isair, bisneto de Furquim.

Simples, algumas moradias são de alvenaria, mas a maioria é de pau-a-pique ou sapé. Quadra poliesportiva, oficina de artesanato, escola e centro comunitário completam o vilarejo, cortado por algumas falhas, os roçados.

Estes foram motivo de impasse entre a comunidade e a Polícia Florestal. Acostumados com a coivara, uso rotativo da terra após abertura de clarões, os quilombolas viram-se impedidos de abrir suas roças porque a área titulada ficava em um parque estadual, sob proteção ambiental.

O governo estadual acabou aceitando o argumento dos quilombolas de que a mata local existia justamente por eles praticarem a coivara para subsistência, permitindo a recuperação do solo e da mata, e oficializou a transferência das terras.

Recentemente, muitos quilombolas conseguiram a aposentadoria no INSS e as famílias com renda mensal abaixo de R$ 100 passaram a receber o auxílio do programa Renda Cidadã, R$ 60 mensais por um ano, renovável.

Em novembro, quando foi instalado um telefone público no vilarejo, dez moradores conseguiram uma linha de microcrédito rural do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf B) para o plantio de maracujá.

PROCESSO

Todo o processo de reconhecimento, titulação e acompanhamento dos remanescentes de quilombolas em São Paulo é feito pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que trabalha para que as comunidades se tornem auto-suficientes.

Outras quatro comunidades já foram tituladas na região do Vale do Paraíba, a mais pobre do Estado. Há 19 comunidades reconhecidas ou em fase de reconhecimento em São Paulo, e mais 20 na fila para a identificação. O Itesp titula as terras devolutas do Estado, em sua maior parte parques de preservação, e indica ao Incra as terras particulares, que só podem ser regularizadas aos quilombolas com a indenização dos proprietários pela terra e pelas benfeitorias.