Título: Um mundo novo
Autor: Paulo Renato Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

Nosso país deu saltos importantes em matéria educacional a partir dos anos 90 do século 20. Como já destaquei em meu último artigo neste mesmo espaço, a evolução positiva observada recentemente nos nossos indicadores de distribuição de renda está associada à melhoria significativa de nossa situação educacional, ocorrida de forma especial nos últimos dez anos. Isso é muito importante, mas não é suficiente. É preciso transformar a questão da melhoria da qualidade da educação em nossas escolas públicas numa verdadeira obsessão nacional.

Sem dúvida, vivemos um mundo completamente diferente do que existia há apenas 20 anos. Naquela época, meu posto de observação da realidade era a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. A sociedade brasileira como um todo ainda não havia despertado para a importância estratégica da educação para a vida das pessoas, para a construção de uma sociedade mais justa e para a inserção da economia nacional no mundo global. Em geral, o compromisso com a educação era um discurso pronunciado da boca para fora pelas lideranças de nossa sociedade, sem refletir convicções que se traduzissem em ações efetivas.

Hoje, os jovens sabem que sem educação não irão a parte alguma no mundo do trabalho; os adultos em massa voltam a estudar; as empresas exigem o nível médio de escolaridade para qualquer função, por mais simples que seja; os empresários dedicam somas apreciáveis de recursos para ações de responsabilidade social nessa área; e as lideranças da sociedade e do mundo político passaram a encarar com mais seriedade o tema, o que se traduziu na adoção de medidas importantes e em avanços notáveis num período curto de tempo.

Essa atualidade da educação na sociedade não é um fenômeno brasileiro - é mundial. A organização econômica que congrega os países desenvolvidos, a OCDE, criou um importante sistema de avaliação educacional, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), para testar habilidades e competências cognitivas de jovens de 15 anos de idade em todos os seus países membros. A iniciativa vem tendo enorme repercussão. Os resultados relativamente ruins alcançados pela Alemanha, por exemplo, geraram intenso debate político nacional e reformas educacionais importantes estão em gestação ou já sendo implantadas.

Por outro lado, o prefeito de Nova York declarou que deseja ser julgado pela evolução dos resultados dos alunos das escolas da rede pública nos testes de avaliação, como destacou o jornalista Gilberto Dimenstein em artigo recente na Folha de S.Paulo. Desenhou um ambicioso plano para a melhoria da qualidade das escolas públicas da cidade e conseguiu mobilizar doações de mais de US$ 1 bilhão dos empresários locais, dando uma nova dimensão às ações de responsabilidade social na área da educação: em vez de iniciativas exclusivas do setor privado, agora os recursos doados se destinam a apoiar iniciativas definidas e adotadas pelo poder público. Entre essas se contam, por exemplo, a construção de escolas públicas de pequeno porte ou a instalação de uma academia para o treinamento de diretores de escola. A experiência nova-iorquina ensina duas coisas: a importância que as lideranças políticas nos países mais avançados vêm dando ao tema da qualidade da educação básica e o grau de envolvimento das lideranças empresariais nessas mesmas preocupações.

As avaliações internacionais da OCDE, por meio das duas edições do Pisa, mostram nosso país numa posição muito desvantajosa em relação aos mais desenvolvidos no que se refere à qualidade da educação básica medida pelos níveis das habilidades e competências cognitivas alcançados pelos nossos jovens. Quando decidi, como ministro da Educação, que voluntariamente participaríamos do Pisa, eu sabia que o resultado seria muito ruim, como de fato foi. Minha intenção não era a de contribuir com o exercício da autoflagelação, que tem enorme popularidade em nosso país. Ao contrário, foi mostrar um rumo e um parâmetro para a nossa educação básica. Se quisermos construir um país mais justo, avançado e competitivo nesse mundo global, temos de ter uma educação básica que se nivele à dos países mais avançados. Simplesmente não podemos aceitar uma educação de segunda.

O sistema educacional brasileiro é bastante descentralizado e a gestão das redes escolares públicas está nas mãos dos Estados e municípios. Por isso, um programa de melhoria da qualidade das escolas deve necessariamente partir dessas instâncias federativas. Defendo uma revolução na qualidade de nossas escolas públicas em São Paulo, colocando-as num nível de Primeiro Mundo, pois hoje temos condições de sonhar com isso num horizonte de tempo que está ao alcance de nossa vista. A melhoria nas finanças estaduais promovida nas gestões de Mário Covas e Geraldo Alckmin no Estado criou as condições para que os significativos investimentos necessários possam ser equacionados no seu devido tempo para esse objetivo. É muito importante que o Estado de São Paulo se lance a esse objetivo de forma decidida e autônoma por duas razões: porque tem condições de fazê-lo e porque assumirá a liderança de um processo no nosso país que certamente envolverá rapidamente toda a sociedade brasileira e induzirá os demais Estados a seguir o exemplo de objetivos, metas e políticas. Assim como no passado nosso Estado liderou o País em outras áreas - especialmente na economia, mas também na criação do seu sistema universitário público atual -, a exigência hoje é que faça a revolução na educação básica que haverá de colocar nosso país definitivamente no século 21.