Título: A internet e o ganho das telefônicas
Autor: Christopher Stern
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2006, Economia & Negócios, p. B16

Você prefere buscar informações online no Google ou no Yahoo? E quando se trata de comprar pechinchas - escolhe o Amazon ou o eBay? Muitos de nós tomam esse tipo de decisão várias vezes ao dia, com base quem sabe o quê - talvez você não goste de fazer ofertas ou talvez a página branca e limpa do Google o agrade mais do que o amontoado colorido da Yahoo.

Mas as maiores empresas telefônicas do país têm um plano de negócios e, se isso acontecer, um dia você poderá descobrir de repente que a Yahoo responde muito mais depressa as suas consultas, suplantando sua afinidade com o Google. Ou que o site na Web da Amazon parece lento, comparado com o do eBay.

Essas mudanças podem parecer sutis mas não se deixe enganar - as propostas das empresas de telecomunicações têm potencial para, dentro de poucos anos, alterar o fluxo do comércio e das informações - e também sua experiência pessoal - na internet. Pela primeira vez, as empresas proprietárias dos equipamentos que fornecem serviços de internet para seu escritório, sua mesa, o seu refúgio em casa ou no seu quarto no dormitório da faculdade poderá dar a uma empresa prioridade nos seus serviços de rede em detrimento de uma outra, por um preço.

Isso representa uma ruptura na meritocracia comercial que tem regido a internet até agora. Estamos acostumados a esperar que as pessoas que possuem as linhas telefônicas e as linhas a cabo continuem "neutras", nada fazendo para influenciar o conteúdo na nossa tela de computador. E que vença o melhor site na Web.

Há mais de um ano, organizações de defesa do interesse público, entre elas a Consumer Federation (Federação dos Consumidores) e o Consumers Union (Central dos Consumidores) vêm fazendo lobbies no Congresso e na FCC - Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações) para que conste o o conceito denominado "neutralidade da rede" na lei e regulamentos. Google e Yahoo juntaram seus esforços de lobby. E os varejistas online, os serviços de viagens pela internet, a mídia noticiosa e centenas de outras empresas que fazem negócios pela Web têm também muito em jogo.

Neste ínterim, empresas como a AT&T, Verizon e BellSouth estão fazendo lobby com a mesma intensidade, dizendo que precisam encontrar novas formas de cobrar a despesa da construção de redes de comunicação mais rápidas e melhores. E, acrescentam elas, como essas novas redes competirão com as pertencentes à Comcast, Time Warner e outras empresas a cabo, que atualmente detêm cerca de 55% do mercado de banda larga residencial, isso poderá acabar baixando o preço de seu serviço de internet de alta velocidade e acesso à televisão.

Será que essas novas taxas impostas pelas portadoras vão alterar a natureza básica da internet, colocando obstáculos e desvios na muito celebrada super-estrada da informação? Não, dizem as companhias telefônicas. Dar prioridade a uma empresa que paga mais, dizem elas, é apenas oferecer uma outra classe de serviço, da mesma forma como uma linha aérea oferece a classe executiva e a econômica. A neutralidade da rede, dizem elas, é uma solução em busca de um problema.

Talvez você nunca tenha ouvido falar desta questão e, se assim for, não é o único. Na minha função de analista de mídia, tenho conversado nas últimas semanas com lobistas de alguns dos maiores conglomerados de entretenimento de Hollywood. São pessoas que sabem da capacidade dos consumidores de descarregarem seus filmes de estúdio e programas de televisão com tanta facilidade e a um preço tão barato quanto os de qualquer outro será primordial para os lucros futuros dos estúdios.

Porém, quase ninguém entre eles estava mais que vagamente preocupado com as possíveis conseqüências da neutralidade da rede.

Porém, ultimamente, a questão, que tem sido motivo de acalorado debate em blogs e analistas como eu, começou a atrair a atenção da imprensa das correntes centrais do pensamento nacional. Há algumas razões para isso.

Uma delas é que o Congresso está tomando medidas para atualizar e reescrever a Lei de Telecomunicações de 1996, um alicerce legal chave para as atividades de mídia, telecomunicações e internet. Este processo, uma exigência dos progressos tecnológicos, provavelmente levará um ano para ser concluído.

Recentemente, executivos da AT&T e da BellSouth ganharam as manchetes dos jornais com uma série de declarações audaciosas. Numa reportagem publicada na Business Week de novembro, o presidente do Conselho da AT&T, Edward E. Whitacre Jr., reclamou que os provedores de conteúdo na internet estavam parasitando. "Lá eles não têm nenhum fibra. Não têm fios ... Usam minhas linhas de graça e isso é um disparate", disse ele. "O fato de Google, Yahoo ou Vonage ou quem quer que seja esperar usar esses canais gratuitamente é loucura".

Foi um choque. Aparentemente Whitacre havia declarado que a AT&T planeja abandonar unilateralmente seu papel de portadora neutra.

Concorde você ou não com Whitacre, você consegue entender a frustração dele. Empresas como Google e Yahoo pagam algumas taxas para conectar seus servidores à internet, mas a AT&T arrecada pouca, se é que arrecada, receita extra quando a Yahoo começa a oferecer novos recursos que absorvem grandes nacos de banda larga na internet.

Quando os milhões de clientes da Yahoo fazem download de enormes blocos de vídeo ou jogam jogos de vídeos complexos, a AT&T acaba transportando esse tráfego digital adicional sem uma compensação financeira extra.

Mas, para os defensores dos interesses da população, o desabafo de Whitacre foi um momento Clint Eastwood. "Isso me alegrou muito", disse Gigi Sohn, do Public Knowledge, entidade concentrada em defender os direitos do consumidor no mundo digital.

O grupo estava tendo dificuldades em convencer os membros do Congresso de que havia um problema na neutralidade da rede. Membros do Legislativo e funcionários do Congresso observaram repetidas vezes para Sohn que nenhuma grande empresa telefônica jamais havia usado sua rede para discriminar outras companhias."Whitacre simplesmente apresentou uma boa justificativa para a regulamentação", disse Sohn. "Melhor, impossível".

Outros executivos e porta-vozes da AT&T disseram mais tarde que Whitacre falou apenas sobre o acesso a uma nova rede de banda larga de alta velocidade. Executivos do setor também garantiram aos críticos que, apesar do rompante de Whitacre, a AT&T nunca bloquearia qualquer site na Web nem mesmo prejudicaria o serviço de uma empresa que estivesse fazendo negócios na internet, mesmo que esse serviço fosse uma empresa de serviço de voz pela internet como o Vonage, que compete diretamente com o negócio principal da AT&T, que é a telefonia.

Mas a tempestade de blogs desencadeada pelos comentários de Whitacre mal tinha se abrandado quando um executivo que trabalha para a BellSouth foi citado dizendo que a empresa consideraria cobrar da Apple 5 ou 10 cents extras, cada vez que um usuário descarregasse uma canção usando o iTunes. Os blogueiros se manifestaram mais uma vez, dizendo que isso certamente elevaria o custo do imensamente popular serviço de download de música .

O Google e a outras dizem que a perspectiva das empresas de telefonia imporem novas taxas a empreendimentos de risco inovadores e bem-sucedidos é exatamente o tipo de coisa que desencoraja o comércio online. "Se as telefônicas forem capazes de controlar o que os consumidores fazem na internet, isso ameaça o modelo de comunicação da internet quetem sido tremendamente vitorioso", disse Alan Davidson, consultor de política de Washington para a Google.

As empresas de transmissão a cabo abominam a idéia da neutralidade da rede tanto quanto as companhias telefônicas. mas até agora seus executivos têm permanecido silenciosos e ficado de fora do fogo cruzado.

O Congresso, que é liderado pelos republicanos, está lutando com a questão. De um lado, assumiu uma abordagem desregulatória em relação à internet, mas por outro lado, não pode ignorar as preocupações do Google, Yahoo e eBay, algumas das empresas de maior sucesso nos últimos dez anos. Essas empresas sozinhas construíram negócios que valem centenas de bilhões de dólares numa internet não controlada. Mais ainda, o acesso irrestrito à internet passou a ser visto pelos americanos em geral não apenas como um privilégio ou um produto, mas um direito semelhante ao direito à liberdade de expressão ou à livre associação.

No decorrer dos próximos meses, a Lei das Telecomunicações tomará forma à medida que várias propostas legislativas diferentes forem combinadas para criar uma lei definitiva. Algumas das propostas incluem trechos sobre a neutralidade da rede e outras não.

O senso comum é que as recentes declarações de executivos da empresa Bell deram algum impulso à neutralidade da rede. Mas prevê-se que o projeto de lei só esteja concluído em 2007, o que deixa bastante tempo para os lobistas batalharem o texto final.

A FCC, empurrada pelo diretor Michael Copps, reconheceu a importância da questão em outubro último, quando aprovou a fusão de duas gigantes do setor de telecomunicações - a compra da MCI pela Verizon, por US$ 8,5 bilhões, e a compra da AT&T pela SBC Communications por US$ 16 bilhões, que rapidamente assumiu a marca mais conhecida da AT&T.

Uma das poucas condições que a FCC impõe às empresas que se fundem é que respeitem o conceito de neutralidade da rede por ao menos dois anos. Mas não se sabe se as empresas estariam violando o texto relativamente vago da FCC se a BellSouth ou a AT&T prosseguissem com o plano de dar a uma empresa prioridade sobre outras nas internet. Na semana passada, perguntei a vários advogados de telecomunicações, incluindo alguns da equipe da FCC, se a AT&T estaria violando seu contrato de fusão se concedesse status de "prioridade" a alguma empresa mediante o pagamento de uma taxa. A resposta que recebi de todos foi: "Essa é uma boa pergunta".

No final do dia, Davidson, da Google, diz que sua maior preocupação não é pela Google mas pela perspectiva de trazer inovação à internet. Afinal de contas, se acontecer o pior, o Google poderá pagar à AT&T ou a BellSouth para manter seu papel de mecanismo de busca dominante na internet. Porém, a jovem empresa iniciante com a próxima grande idéia inovadora não terá essa opção.