Título: Preferência diversionista
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2006, Nacional, p. A6

O governo inicia o ano político-eleitoral manifestando uma opinião sobre o adversário ideal para o presidente Luiz Inácio da Silva com cheiro, cor e sabor de preferência diversionista; feita para constar e, principalmente, confundir.

Dizem os governistas que o prefeito de São Paulo, José Serra é um oponente muito mais fácil de bater do que o governador do Estado, Geraldo Alckmin.

Não é o que dizem as pesquisas. Nem mesmo a mais recente do Ibope, cujo resultado produz um tênue alento aos inquilinos do Palácio do Planalto e adjacências ao pôr o presidente da República outra vez na liderança da disputa de primeiro turno.

Lula aparece pouco à frente de Serra (35% a 31%), mas muito adiante de Alckmin (38% a 17%). Sobre outros possíveis adversários, não são feitas considerações contundentes, pois, no entendimento do governo, a disputa será mesmo entre PT e PSDB e terá como eixo a comparação entre os governos Lula e Fernando Henrique Cardoso.

Esse tipo de avaliação externando "preferência" por Serra mais parece uma tentativa de induzir o tucanato a pautar sua escolha em função da preferência do opositor.

Segundo os petistas, Serra seria mais fácil de derrotar pelas seguintes razões: é um candidato muito conhecido e com potencial de crescimento limitado; tem dificuldade de agregar seu próprio partido e conquistar aliados em outras legendas; já foi testado, e derrotado em uma eleição nacional; tendo sido ministro de Fernando Henrique, facilita a comparação entre os governos atual e anterior.

Geraldo Alckmin, por essa interpretação, seria um adversário mais duro por três motivos: tem o dobro das intenções de voto de Serra em São Paulo, partindo, então, de um capital eleitoral fortíssimo; é desconhecido na maior parte do País, tem potencial de crescimento provavelmente grande; o terceiro ponto em favor de Alckmin, na visão do PT, é a boa imagem pessoal do governador.

Tomando por base as razões referentes a Serra, poder-se-ia, em relação a Alckmin, acrescentar um quarto motivo de dificuldade para os petistas: a suposta ausência de identificação com FH, o que criaria obstáculos à chamada tática de comparação.

Mas não soa sincera a exposição de motivos petistas para avaliar o grau de "derrotabilidade" de um e de outro adversário.

Em primeiro lugar, porque desmente todas as análises anteriores feitas pelo governo, quando de norte a sul, de leste a oeste na nação petista respirava-se com alívio ante a suposição de que o prefeito de São Paulo teria enterrado suas chances de se candidatar à Presidência da República quando escolheu concorrer à Prefeitura e ganhou.

Até meados do ano passado, dizia-se que o "bom" adversário seria Fernando Henrique Cardoso. Alckmin não daria para o gasto inicial, Aécio Neves estaria preso ao projeto de reeleição em Minas Gerais, e José Serra, "graças a Deus", pregado à cruz municipal.

Contraria a lógica acreditar numa alteração gratuita de avaliação sobre Serra, mas é perfeitamente plausível concluir que o governo não abriria ao inimigo com franqueza sua estratégia. Em português claro: fosse verdadeira a opinião de que Serra é mais "derrotável" do que Alckmin, essa informação não seria divulgada assim tão abertamente.

Além disso, se vale para Lula favoravelmente o índice da pesquisa, vale também para o prefeito de São Paulo. O presidente é competitivo porque tem 35% da preferência e Serra também o é com seus 31%.

Da mesma forma, é válido o argumento sobre o conhecimento do eleitorado. Ambos são amplamente conhecidos, nenhum dos dois teria muito mais para onde crescer. Com a diferença, em favor do prefeito, de que ele não é candidato assumido. Lula também não é, em tese, mas é muito mais que o adversário, até por ausência de alternativa posta dentro de seu partido.

A alegação sobre o "teste" eleitoral é fragilizada pelos índices das pesquisas e pela vitória de Serra na disputa pela Prefeitura, um ano após a derrota presidencial. De mais a mais, se o resultado de eleições anteriores determinasse o resultado de pleitos futuros, o PT poderia ter seu desempenho em 2006 considerado prejudicado em função dos fracassos de 2004.

Quanto ao item que leva em conta a identificação com o governo FH, tampouco soa convincente, dada a evidência de que, uma vez iniciada a disputa, o julgamento dar-se-á em virtude do agrado, ou desagrado, do eleitor em relação aos candidatos concorrentes e não com base na memória de um ex-governante.

Acrescente-se a isso o fato de que, seja Serra ou Alckmin o candidato do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso só não terá presença preponderante nas campanhas de um ou de outro se as pesquisas indicarem que ele tira votos. Do contrário, estará na linha de frente em qualquer hipótese.

Por essas e várias outras, com razão ou sem razão, o oponente mais temido pelo PT nas condições atuais é mesmo José Serra. Mas não será pelo temor ou destemor do adversário que o PSDB escolherá seu candidato, pois não é a ele que o partido terá de convencer.