Título: Fim de estrada para Lula?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2006, Nacional, p. A6

Na maior parte dos últimos 30 anos, Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente do Brasil, foi uma estrela ascendente no firmamento brasileiro. Na época em que liderou os metalúrgicos da indústria automobilística de São Paulo numa greve contra o governo militar, ele se tornou o queridinho dos trabalhadores, da Igreja Católica e das correntes da centro-esquerda. Naqueles tempos, o chanceler Helmut Schmidt da Alemanha e o primeiro-ministro Adolfo Suárez da Espanha estiveram em São Paulo para procurá-lo, em parte para dar-lhe uma força ante os generais e em parte para tentar estar se encaminhando o poderoso Brasil, então muito à frente de China e Índia. Encontrei-o, na época, vivendo numa pequena casa em um daqueles subúrbios assustadores na periferia da imensa e poluída metrópole. Ele tinha, como descobri ao entrevistá-lo para o International Herald Tribune, uma perspicácia superior ao que se esperaria de sua idade. Aos 34 anos, reagiu à minha sondagem sobre as atrações do marxismo e da revolução violenta com inteligente desdém, e concluiu observando: "Está absolutamente fora de questão pedir coisas irrealistas. Acho melhor avançar um milímetro, mas um milímetro no chão, sabendo que não teremos que recuar dois milímetros mais tarde." Pouco depois, ele foi preso por algum tempo pelos militares, mas quando o regime se liberalizou, emergiu como o líder de um novo movimento político em rápida ascensão, o Partido dos Trabalhadores. Há três anos Lula finalmente conquistou a presidência e seus apoiadores acreditaram que havia chegado o momento de um governo puro, imaculado e abnegado. O Brasil é a nona potência econômica do mundo, mas tem a pior distribuição de renda entre as principais nações em desenvolvimento. Com a ascensão ao poder de Lula, os pobres acharam que finalmente teriam sua recompensa. Ao anunciar sua campanha de Fome Zero, Lula - que cresceu, ele próprio, em condições de carência - prometeu que cada família seria alimentada adequadamente todos os dias. Mas a vida numa grande potencia industrial, com os mercados de capitais sempre à espreita, nunca é tão simples e direta. O dia em que Lula se tornou presidente foi o dia em que ele teve que pendurar o chapéu de seu zelo reformador militante. Durante 25 anos Lula havia sido, de fora do establishment político, a principal força de transformação social, exercendo a pressão de sua oratória, liderança carismática e força política sobre governos de vários matizes políticos. Gradualmente, melhorou a distribuição de renda no país. Escolas e postos de saúde foram construídas nas áreas mais pobres. Mas, chegando ao poder, Lula se tornou uma persona diferente, para angústia de muitos de seus apoiadores. Por um lado, adotou políticas econômica e fiscal do tipo mais conservador. Isso salvou o Brasil de enveredar por outro surto de inflação descontrolada e perda de confiança do investidor. A economia é estável, as exportações estão crescendo, a inflação é baixa e as taxas de juro estão caindo. O crescimento econômico está sólido, em cerca de 3% a 3,5%, ainda que isso seja desapontador em face de outros fatores favoráveis. O Lula reformador social assumiu um papel secundário. Seu programa Bolsa Família faz transferências de dinheiro a milhões de pobres - contanto que eles enviem seus filhos à escola - mas isso é uma mera versão melhorada de um programa iniciado por seu predecessor, Fernando Henrique Cardoso. Mais decepcionante ainda é o fato de que o governo de Lula se viu imerso em dois escândalos sucessivos, envolvendo contribuições ilegais ao Partido dos Trabalhadores em troca de favores, e, pior, a compra de votos no Congresso. Mesmo que Lula, como ele alega, não estivesse envolvido nessas trapaças, ele devia ter conhecimento, e talvez tivesse, do que seu chefe de Gabinete - que foi obrigado a renunciar - estava aprontando. Com isso Lula perdeu um importante apoio da classe média e talvez tenha selado o destino de sua presidência. Uma pesquisa de opinião publicada nesta semana mostra que José Serra, atual prefeito de São Paulo, venceria Lula confortavelmente na eleição presidencial de outubro. Serra, íntimo aliado político de Cardoso, do qual foi um muito bem sucedido ministro da Saúde, é um político esforçado e um administrador duro e eficiente. Ele diz que tem a credibilidade junto à comunidade financeira internacional que Lula teve que conquistar pelo caminho mais difícil. Isso, ele me disse, "me permitirá ser menos ortodoxo e elevar a taxa de crescimento econômico acima de 5%." E disse também que, como fez em São Paulo, pretende, "eliminar o enorme desperdício do governo mal administrado de Lula e obter resultados que beneficiarão imediatamente a população mais pobre." Serra, também um adversário político dos generais que o obrigaram a fugir do país, é tão progressista em seu pensamento político quanto Lula. A diferença é que ele poderia fazer o que Lula apenas prometeu. *Jonathan Power escreve sobre Relações Exteriores. Este artigo foi publicado no International Herald Tribune.

Jonathan Power *

Na maior parte dos últimos 30 anos, Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente do Brasil, foi uma estrela ascendente no firmamento brasileiro. Na época em que liderou os metalúrgicos da indústria automobilística de São Paulo numa greve contra o governo militar, ele se tornou o queridinho dos trabalhadores, da Igreja Católica e das correntes da centro-esquerda.

Naqueles tempos, o chanceler Helmut Schmidt da Alemanha e o primeiro-ministro Adolfo Suárez da Espanha estiveram em São Paulo para procurá-lo, em parte para dar-lhe uma força ante os generais e em parte para tentar estar se encaminhando o poderoso Brasil, então muito à frente de China e Índia.

Encontrei-o, na época, vivendo numa pequena casa em um daqueles subúrbios assustadores na periferia da imensa e poluída metrópole. Ele tinha, como descobri ao entrevistá-lo para o International Herald Tribune, uma perspicácia superior ao que se esperaria de sua idade. Aos 34 anos, reagiu à minha sondagem sobre as atrações do marxismo e da revolução violenta com inteligente desdém, e concluiu observando: ¿Está absolutamente fora de questão pedir coisas irrealistas. Acho melhor avançar um milímetro, mas um milímetro no chão, sabendo que não teremos que recuar dois milímetros mais tarde.¿

Pouco depois, ele foi preso por algum tempo pelos militares, mas quando o regime se liberalizou, emergiu como o líder de um novo movimento político em rápida ascensão, o Partido dos Trabalhadores. Há três anos Lula finalmente conquistou a presidência e seus apoiadores acreditaram que havia chegado o momento de um governo puro, imaculado e abnegado.

O Brasil é a nona potência econômica do mundo, mas tem a pior distribuição de renda entre as principais nações em desenvolvimento.

Com a ascensão ao poder de Lula, os pobres acharam que finalmente teriam sua recompensa. Ao anunciar sua campanha de Fome Zero, Lula ¿ que cresceu, ele próprio, em condições de carência ¿ prometeu que cada família seria alimentada adequadamente todos os dias.

Mas a vida numa grande potencia industrial, com os mercados de capitais sempre à espreita, nunca é tão simples e direta. O dia em que Lula se tornou presidente foi o dia em que ele teve que pendurar o chapéu de seu zelo reformador militante.

Durante 25 anos Lula havia sido, de fora do establishment político, a principal força de transformação social, exercendo a pressão de sua oratória, liderança carismática e força política sobre governos de vários matizes políticos. Gradualmente, melhorou a distribuição de renda no país. Escolas e postos de saúde foram construídas nas áreas mais pobres.

Mas, chegando ao poder, Lula se tornou uma persona diferente, para angústia de muitos de seus apoiadores. Por um lado, adotou políticas econômica e fiscal do tipo mais conservador. Isso salvou o Brasil de enveredar por outro surto de inflação descontrolada e perda de confiança do investidor.

A economia é estável, as exportações estão crescendo, a inflação é baixa e as taxas de juro estão caindo. O crescimento econômico está sólido, em cerca de 3% a 3,5%, ainda que isso seja desapontador em face de outros fatores favoráveis.

O Lula reformador social assumiu um papel secundário. Seu programa Bolsa Família faz transferências de dinheiro a milhões de pobres ¿ contanto que eles enviem seus filhos à escola ¿ mas isso é uma mera versão melhorada de um programa iniciado por seu predecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Mais decepcionante ainda é o fato de que o governo de Lula se viu imerso em dois escândalos sucessivos, envolvendo contribuições ilegais ao Partido dos Trabalhadores em troca de favores, e, pior, a compra de votos no Congresso. Mesmo que Lula, como ele alega, não estivesse envolvido nessas trapaças, ele devia ter conhecimento, e talvez tivesse, do que seu chefe de Gabinete ¿ que foi obrigado a renunciar ¿ estava aprontando.

Com isso Lula perdeu um importante apoio da classe média e talvez tenha selado o destino de sua presidência. Uma pesquisa de opinião publicada nesta semana mostra que José Serra, atual prefeito de São Paulo, venceria Lula confortavelmente na eleição presidencial de outubro.

Serra, íntimo aliado político de Cardoso, do qual foi um muito bem sucedido ministro da Saúde, é um político esforçado e um administrador duro e eficiente. Ele diz que tem a credibilidade junto à comunidade financeira internacional que Lula teve que conquistar pelo caminho mais difícil. Isso, ele me disse, ¿me permitirá ser menos ortodoxo e elevar a taxa de crescimento econômico acima de 5%.¿ E disse também que, como fez em São Paulo, pretende, ¿eliminar o enorme desperdício do governo mal administrado de Lula e obter resultados que beneficiarão imediatamente a população mais pobre.¿

Serra, também um adversário político dos generais que o obrigaram a fugir do país, é tão progressista em seu pensamento político quanto Lula. A diferença é que ele poderia fazer o que Lula apenas prometeu.