Título: Eleição é passo rumo à legitimidade
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2006, Internacional, p. A10

As eleições parlamentares de ontem na Autoridade Palestina (AP) são um marco importante na curta história dessa entidade política. Não estava nem um pouco evidente que elas se realizariam. A AP só realizou uma eleição parlamentar anteriormente há dez anos.

A eleição seguinte deveria ser em 2000, perto do fim do período coberto pelo acordo interino de Oslo, mas ela foi adiada pela irrupção da intifada (a revolta palestina contra a ocupação israelense). Depois disso, houve algumas tentativas para organizar eleições, mas elas fracassaram.

A falta de segurança na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e a decadência do governo central levaram a AP à beira da anarquia. As eleições de ontem são uma chance de corrigir isso, uma chance de estabelecer um novo Parlamento e um novo governo que finalmente implementará as repetidas declarações do presidente da AP, Mahmoud Abbas, sobre "uma lei, um governo e uma arma."

Representantes palestinos falaram um bocado na terça-feira sobre um "festival da democracia", descrevendo uma atmosfera de carnaval nos territórios antes da eleição de ontem. A mídia palestina divulgou instruções ao público, ressaltando, em especial, que as pessoas portando armas não poderiam chegar perto dos postos eleitorais.

Embora israelenses e outros estejam preocupados com a participação do Hamas e seu sucesso nas eleições, quase todos os ativistas políticos palestinos manifestaram uma grande satisfação com a entrada do Hamas na vida política organizada. Altas autoridades da AP e a mídia palestina argumentaram repetidamente que a presença do Hamas no Legislativo, e talvez até no governo, não simboliza um recuo do processo democrático, mas um passo adiante.

Como disse o candidato da Fatah Mohammed Dahlan a seus rivais do Hamas num ato de campanha em Gaza, "a própria existência da Autoridade Palestina e estas eleições são o resultado dos Acordos de Oslo." Em outras palavras, o próprio fato de o Hamas estar participando da eleição prova que ele não tem escolha senão aceitar os Acordos de Oslo.

O Hamas tentou refutar esses argumentos. Seu líder, Ismail Haniyeh, disse que os Acordos de Oslo morreram há dez anos, e esta eleição está sendo realizada de maneira técnica e substancialmente diferente da anterior: em vez de 88 representastes parlamentares, todos eleitos por distrito, haverá 132, metade eleita por distritos e metade em listas nacionais.

O surpreendente é que a Jihad Islâmica concorda com a Fatah e a AP nesse ponto. A Jihad Islâmica é a única facção palestina que não está concorrendo nas eleições, e seus representantes concordam que participar delas constitui um reconhecimento indireto de Oslo. Mas todas as outras facções de oposição estão participando, incluindo duas que, como o Hamas, boicotaram as eleições de 1996 por sua oposição a Oslo: a Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP)e a Frente Democrática pela Libertação da Palestina (FDLP).

Isso permite esperar que talvez Abbas e seus colegas estejam certos: um novo Parlamento e novo governo, em que o Hamas e a esquerda participem, poderá, em última instância, fazer o processo diplomático avançar, e não interrompê-lo.