Título: Hamas cresce, mas Fatah lidera
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2006, Internacional, p. A10

Os palestinos foram em massa ontem às urnas, em um ambiente festivo e de tranqüilidade, na primeira eleição parlamentar em uma década na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.

A votação mudará significativamente o panorama político na região: o movimento fundamentalista islâmico Hamas conseguiu forte votação, segundo diferentes pesquisas de boca-de-urna. O partido no poder, a Fatah, parece ter vencido com um número suficiente de votos para formar um governo de coalizão com grupos minoritários laicos, com os quais tem afinidades políticas, sem precisar recorrer ao Hamas, seu principal rival. Estão em jogo as 132 cadeiras do Parlamento.

Mas o Hamas contestou todas as pesquisas e anunciou que suas sondagens - não reveladas à imprensa - indicam que venceu por ampla margem.

O melhor cenário para a Fatah é o do Centro Palestino de Pesquisas Políticas, que aponta 42% dos votos (58 cadeiras) para o grupo e 35% (53 cadeiras) para o Hamas. Levantamento da Universidade An Najah indica 46% para a Fatah e 40% para o Hamas enquanto outra boca-de-urna, a da Universidade Bir Zeit, dá 46,4% para a Fatah e 39,5% para o Hamas.

As autoridades informaram que 77,69% do 1,3 milhão de eleitores foi às urnas, superando a participação na eleição de 1996 e nas presidenciais de 2005.

Ramallah amanheceu com o comércio fechado, prédios públicos vazios e escolas desertas. Era só circular pelas ruas para perceber que não se tratava de um dia normal. Nos portões das principais escolas e centros comunitários, o burburinho era intenso. Policiais, ativistas políticos, jornalistas, observadores estrangeiros e curiosos se acotovelavam para chamar a atenção dos eleitores que, aos poucos, foram chegando para votar.

A boca-de-urna é proibida, mas isso não evitou que santinhos de todos os tamanhos, cores e tipos fossem distribuídos em frente dos centros de votação, cerca de mil na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Os mais de 13 mil policiais deslocados para fazer a seguranças das sessões eleitorais preferiram fazer vista grossa para não provocar tumulto. Mas, apesar do temor de violência, a votação correu sem grandes incidentes. Até os ativistas do Hamas preferiram levar cartazes em vez de armas aos postos de votação.

Entusiasmada, a psicóloga Gadir Salah, de 29 anos, não escondia a alegria ao ver a organização do Hamas diante da seção eleitoral onde vota, em Ramallah. O grupo radical montou um quiosque a poucos metros da seção, enfeitado por cartazes e faixas verdes. Gadir tinha certeza: os palestinos vão rejeitar os governistas do Fatah, em busca de mudança. "A equação é simples: se os americanos e os israelenses não gostam do Hamas, é sinal de que ele é o melhor para os povo palestino", analisa a psicóloga, envolta num cachecol verde, marca da campanha eleitoral do grupo radical.

Não é o que pensa o brasileiro Naif Dahlih, de 28 anos, nascido em Uruguaiana (RS) de pai palestino e morador há oito anos em Betúnia, Cisjordânia. Naif estava indeciso até a última hora, mas acabou votando no partido do governo, a Fatah. Para ele, apesar das denúncias de corrupção que corroem a imagem do partido, a Fatah continua tendo a melhor infra-estrutura política para lidar com todos os problemas palestinos. "Duvido que algum outro partido consiga fazer mais do que a Fatah. Apesar de tudo, ele ainda é o que mais representa os palestinos médios, que querem paz ", diz Naif. Paz não é o que prega a eleitora e ativista Busseira Kort, de 59 anos, que insistia em distribuir santinhos do grupo radical Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) a todos os que passavam pela sua seção eleitoral.

Em bom português (morou seis anos no Brasil, na década de 70), Busseira alega que a saída para os palestinos é a luta armada, justamente o que prega o partido da FPLP, liderado por Ahmed Saadat, preso há cinco anos em Jericó pelo assassinato do ex-ministro do Turismo israelense Rehavam Zeevi. Busseira reclama: "Essas eleições são uma farsa. A Fatah está comprando votos. A solução é a luta armada contra Israel. Essa é a única língua que o inimigo sionista entende", garante ela.