Título: Brasil oferece ajuda contra coca
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2006, Internacional, p. A12

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) poderá assumir um papel na substituição do cultivo de coca na Bolívia. A oferta de assistência técnica da Embrapa para melhorar a produtividade de frutas tropicais e palmito, e com isso fazer frente à imbatível lucratividade da folha de coca, é um dos itens em estudo da cooperação brasileira com o novo governo do presidente Evo Morales.

Outro componente que faz parte da mesma estratégia - de ajudar na erradicação de cultivos ilegais destinados à produção de cocaína - é abrir "nichos" do mercado brasileiro para os produtos de exportação bolivianos. Não há complementaridade. A Bolívia exporta palmito, banana, manga, melão, abacaxi, morango, pêssego e tamarindo - todos também produzidos no Brasil. Mas a idéia seria abrir o mercado brasileiro na região de fronteira.

"Como a escala da produção boliviana é pequena, os supermercados da fronteira podem absorver quase tudo", estima o embaixador brasileiro em La Paz, Antonino Mena Gonçalves, que acompanhou as reuniões de Morales com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília, no dia 13, e em La Paz, no domingo, o dia da posse.

Morales, ex-líder sindical dos plantadores de coca, defende o cultivo da folha para uso medicinal e artesanal, mas se declara disposto a combater a produção e tráfico de cocaína.

A cooperação na área agrícola é apenas uma das idéias que técnicos brasileiros estão estudando, para traduzir na prática o desejo, anunciado por Lula, de ajudar a Bolívia. Uma missão técnica brasileira deve vir em breve para uma prospecção sobre as necessidades do país.

O governo brasileiro deverá incrementar, também, os financiamentos de obras de infra-estrutura na Bolívia. Uma das propostas, apresentada pela construtora Odebrecht, é a construção de quatro hidrelétricas na região da fronteira - duas no Brasil, uma na Bolívia e uma binacional.

Somadas, as quatro teriam a capacidade geradora de Itaipu. As barragens aumentariam o nível dos Rios Madeira e Mamoré, que separam os dois países, eliminando as corredeiras e permitindo a navegação. Com isso, a Bolívia - que não tem acesso ao mar - ganharia uma saída perene para a Bacia Amazônica.

Além disso, a Braskem, subsidiária da Odebrecht, tem o projeto de construção de um pólo petroquímico na fronteira, do lado boliviano, que utilizaria o gás da Bolívia para a produção de polietileno, polipropileno, PVC, etc. O projeto foi apresentado, no ano passado, aos três principais candidatos presidenciais.

COMBUSTÍVEIS

Com relação ao gás e ao petróleo, o embaixador considera que a eleição de Morales desencadeou um certo "alarme", além do necessário, na imprensa brasileira. Mena Gonçalvez lembra que a "nacionalização" do setor de combustíveis foi incluída na Lei de Hidrocarbonetos, aprovada no ano passado no governo de Carlos Mesa.

"Não há intenção de hostilizar, de confiscar, de nacionalizar as empresas estrangeiras", explica o embaixador. "A nacionalização do setor deu ao Estado a prevalência sobre o processo de tomada de decisões."

Agora, diz o embaixador, falta o governo boliviano elaborar os novos contratos que regerão as relações com cada empresa estrangeira.

"Mudaram os pilares da participação governamental", diz Mena Golçalvez, embaixador em La Paz desde julho de 2003. "O 'x' da questão é quais serão os parâmetros novos. Não sabemos quais as pretensões do governo boliviano nem quais serão as margens de negociação das empresas." O que a lei diz é que elas serão obrigadas a adaptar-se aos novos contratos.

Cerca de 30% do gás consumido no Brasil é boliviano.

A Petrobrás tem duas refinarias na Bolívia, que respondem por 98% do refino de petróleo no país. "Evo nunca falou em confisco, mas em devolução mediante compra", recorda o embaixador.

Isso também não é novo. Mesa, o antecessor de Morales, falava em comprar 50% das refinarias, tornando o governo boliviano sócio da Petrobrás. Uma auditoria as avaliou entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões, mas a Bolívia não tinha dinheiro em caixa para as aquisições.

"O mais racional seria agora retomar a discussão de um processo progressivo de associação, começando, por exemplo, por uns 10%, já que a compra total demandaria recursos muito expressivos", salienta o embaixador.

Em qualquer caso, a Petrobrás nunca ofereceu resistência à venda.

Compradas no fim dos anos 90 por US$ 102 milhões, as refinarias nunca foram muito lucrativas, devido ao preço baixo dos combustíveis, tabelados pelo governo boliviano.

O litro de gasolina é vendido pelo equivalente a R$ 1, quando no Brasil está na casa dos R$ 2,50.