Título: A integração produtiva no Mercosul
Autor: Alessandro Teixeira
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

Desde que foi constituído, o Mercosul esteve excessivamente focado nas questões comerciais. Por mais que seu acordo insistisse na importância da integração produtiva entre os países, na coordenação de políticas macroeconômicas e na harmonização de legislações, o bloco agregou pouco à base comercial que atualmente o compõe. Sustentado principalmente no seu pilar comercial, o Mercosul corre sérios riscos de perder importância econômica em razão de dois fatores básicos. A tarifa externa comum, o imposto de importação que o bloco impõe a terceiros mercados, tende a ser reduzida em razão das negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo objetivo é justamente diminuir os obstáculos ao comércio mundial. Além disso, ao longo do tempo, os próprios membros do Mercosul têm negociado acordos com vista à adoção do livre comércio com outros países, como Chile, Bolívia, Venezuela, Peru, Colômbia, Equador, México, Índia e África do Sul. Sem adotar impostos para a importação de boa parte dos produtos provenientes desse rol de países, o Mercosul abre-se para o mundo. Esse fenômeno, conhecido como "erosão das preferências comerciais", se não é necessariamente ruim, pode descaracterizar o Mercosul como bloco, caso o processo de integração se esgote apenas num modelo de livre comércio intrazona e tarifa externa comum. Nesse contexto, é evidente a importância de o Mercosul superar esse enfoque meramente comercial e conseguir de fato promover a integração produtiva na região. A constituição de um espaço econômico dinâmico, que permita o aproveitamento de economias de escala, pode dar novo fôlego à construção do bloco. Fusões e aquisições, joint ventures entre empresas dos membros do bloco, a transnacionalização de grupos nacionais, a formação de empresas multinacionais do Mercosul e a integração de cadeias produtivas são elementos catalisadores do processo integrador da região. Um Mercosul esvaziado, que apenas se concentre no comércio, perde atratividade para seus sócios. Essa, aliás, pode ser uma lição importante do interesse de algumas autoridades uruguaias na negociação de um acordo de liberalização comercial com os Estados Unidos. Se tudo o que o Mercosul tem a oferecer é o livre comércio, alguns de seus membros podem achar conveniente não se limitar ao bloco e buscar, de maneira individual, expandir suas possibilidades de comércio com outros países. Caso o Mercosul tenha a oferecer a seus parceiros possibilidades que outros acordos não lhes confeririam, aumenta o interesse dos países em se manterem vinculados ao bloco. E é evidente que os acordos que os Estados Unidos têm buscado na região não contemplam a preocupação com o desenvolvimento de cadeias produtivas regionais. Atualmente, vale notar, os temas relacionados à atividade industrial na região são discutidos num subgrupo de trabalho (o SGT-7) que articula representantes do governo, da iniciativa privada e dos trabalhadores dos quatro países e cujos resultados começam a adquirir maior visibilidade. Entre as iniciativas do subgrupo está a criação do Programa de Fóruns de Competitividade do Mercosul, um passo importante para promover a integração das cadeias do bloco. O estímulo ao debate, o conhecimento mútuo, a identificação de gargalos e a articulação de elos que compõem uma cadeia produtiva são resultados que podem ser obtidos por meio de fóruns de competitividade, que, aliás, partem de experiências bem-sucedidas no Brasil e na Argentina. A estratégia correta para a promoção da integração produtiva do Mercosul passa, necessariamente, pela especialização e pela complementaridade. Apenas assim se pode fazer proveito da escala produtiva, explorar o espaço econômico ampliado, aproveitar a eficiência econômica e atrair investimentos que explorem os benefícios regionais. Uma análise lúcida aponta hoje para a viabilidade de coordenação de ações e harmonização de políticas, o que pode conformar as bases para que, eventualmente, se adote uma política industrial comum para o Mercosul. A Secretaria do Mercosul deve deixar de exercer um papel meramente assessório nesse processo e atuar como órgão articulador de ações, estimulando assim uma política comum. Antes disso, no entanto, é importante que os países do bloco se convençam - como o Brasil já o fez - da importância de uma política industrial que articule o Estado e o setor privado na busca pela competitividade. E que os países membros percebam a importância de adotar uma abordagem produtiva baseada na especialização e na complementaridade, e não esgotar o bloco num modelo apenas comercial de integração. Sem isso o Mercosul minguará lentamente, perdendo importância econômica como bloco. *Alessandro Teixeira é presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)