Título: Brasil e Argentina tentam, de novo, acerto sobre salvaguardas
Autor: Marina Guimarães
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2006, Economia & Negócios, p. B4

A parte técnica do texto da Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC) poderia ser fechada amanhã, durante a reunião entre os representantes dos governos do Brasil e da Argentina, no Rio de Janeiro, segundo confirmou ao Estado um dos negociadores brasileiros. "Estamos trabalhando no sentido de reduzir as diferenças ao mínimo possível no que diz respeito às questões técnicas, mas é claro que há alguns pontos que terão de ser decididos politicamente", afirmou a fonte brasileira, negando-se a detalhar quais seriam esses temas.

Segundo a fonte, "as negociações avançaram porque antes eram apenas discussões e agora estamos colocando tudo no papel e transformar isso em texto é um avanço". O diplomata brasileiro acredita que o texto vai estar pronto no dia 31 para as assinaturas, como se comprometeram os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. Para tanto, haverá uma segunda reunião na segunda-feira, dia 30, para fechar os detalhes que não forem acertados na rodada de amanhã.

As mais de dez horas de reunião, ontem, em Buenos Aires, foram classificadas pelo negociador como "extremamente áridas" e insuficientes para acertar os ponteiros sobre questões mais polêmicas, como, por exemplo, o mecanismo de revisão, apelidado pelos argentinos de "tribunal de notáveis".

A Argentina concorda com a proposta brasileira de instituir o mecanismo de revisão, por meio de uma comissão formada por três especialistas em comércio exterior, para acompanhar os procedimentos de aplicação da CAC para o setor que estiver supostamente sendo prejudicado pelas exportações de um ou de outro país. Porém, o governo argentino não quer aceitar que esse mecanismo tenha competência para revisar a aplicação da CAC e conferir os números apresentados pelo setor que realizar a denúncia de dano, como reivindica o Brasil.

Para a Argentina, se a comissão tiver o poder de conferir cifras e argumentos também teria, implicitamente, o poder de suspender a aplicação da salvaguarda para o setor prejudicado, o que provocaria dúvidas sobre a eficácia da CAC no cumprimento de seu objetivo, que é o de proteger a indústria argentina. Para dar mais garantias à Argentina, o Brasil sugeriu que essa comissão seja formada por especialistas sem vínculos com os governos sócios, dando um caráter independente ao mecanismo de revisão.

CONTRA O RELÓGIO

Porém, o país vizinho ainda não se sentiu seguro com a oferta, embora tenha aceitado a comissão de "notáveis". Outro ponto de conflito das negociações que teve um pequeno avanço foi no que diz respeito à definição do termo "dano", cujas propostas escritas para o texto do acordo já foram apresentadas.

A corrida contra o relógio dos negociadores de ambos os países para concluir o texto até o dia 31, terça-feira, não é só por causa da data limite ter sido imposta pelos presidentes Kirchner e Lula, mas porque alguns setores argentinos já começaram a emitir sinais de que haverá novos conflitos comerciais.

A maioria dos acordos de autolimitação dos exportadores brasileiros, estabelecidos no ano passado, começam a vencer no fim deste mês. Entre esses acordos encontra-se, por exemplo, a linha branca de eletrodomésticos, que provocou a famosa guerra das geladeiras, quando a Argentina adotou unilateralmente barreiras contra os refrigeradores brasileiros, em julho de 2004.

"Se não há acordo, o risco é que desapareçam setores industriais inteiros" na Argentina, alertou o presidente da câmara que reúne os fabricantes de eletrodomésticos (Afarte), Enrique Jurkowski, que revelou não estar disposto "a sofrer uma nova invasão de produtos brasileiros".

O setor têxtil também já acendeu a luz amarela do comércio bilateral ao divulgar hoje uma nota intitulada "Alarmante relação com o Brasil em têxteis". Segundo a Fundação Pro Tejer, que reúne a cadeia têxtil, "todos os degraus da cadeia de valor têxtil registraram déficits com o Brasil em 2005". "A situação é alarmante em alguns casos, como o das confecções de artigos de cama, mesa e banho, na qual a desigualdade é de 24 a 1 em favor do Brasil", diz o texto. De acordo com a nota, o nível das exportações brasileiras "é três vezes maior que as da Argentina, já que as exportações alcançaram US$ 142 milhões e as importações foram de US$ 427 milhões".