Título: 'O PT sofre a síndrome da eterna oposição', diz Viana
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2006, Nacional, p. A6

Com a experiência de quem já foi reeleito, o governador do Acre, Jorge Viana, virou uma espécie de conselheiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e assumiu a tarefa de dar um chacoalhão no seu próprio partido, o PT. Inconformado com as cobranças de companheiros na direção do Palácio do Planalto, Viana diz que há petistas "acovardados" diante da crise política, que só querem aparecer e não conseguem nem mesmo defender o governo. "O PT sofre da síndrome da eterna oposição", desabafa.

Sem citar nomes, o governador afirma haver "pessoas do PT" que ficariam melhor nas fileiras do PSDB e do PFL. Motivo: fazem "verdadeiro jogo de cena" diante da televisão, nas CPIs e nos Estados. "Estou começando a ter vergonha de ter alguns petistas ao meu lado", admite. "Não pelo que fizeram, mas pela capacidade de se hipnotizar pelas câmeras de TV. Parece que foram mordidos pela mosca azul."

Prestes a terminar o mandato, cotado para concorrer ao Senado e integrar o comitê da campanha de Lula, Viana entrou numa polêmica há nove dias, quando, de cima do palanque montado num assentamento rural, no Acre, entregou ao presidente um manifesto, apelando a ele para que aceite disputar a reeleição. Foi o que bastou para o PSDB entrar com representação contra Lula, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por propaganda fora de época.

"Tudo bem que disputar o Brasil seja mais importante do que o mandato de prefeito de São Paulo, mas acho que, se há sinais de campanha fora de época, não se deve procurar no PT", provoca Viana, numa referência ao prefeito José Serra, um dos pré-candidatos tucanos à sucessão de Lula.

Do grupo moderado do PT, mas afiado nas respostas, o governador que já teve um vice do PSDB no primeiro mandato vai mais longe nas estocadas. "Um político do PSDB disse que Serra é um eterno candidato a Deus. Se os aliados dele falam isso, quem sou eu, um petista do Acre, pecador e cristão, para fazer outra análise?", ironiza Viana, um engenheiro florestal de 46 anos. Com esse tom, o governador que enfrentou o Esquadrão da Morte diz que está na hora de o PT deixar de "levar pancada" e articular rapidamente a defesa do governo Lula na temporada eleitoral.

O manifesto que o sr. entregou ao presidente Lula, pedindo que ele aceite disputar a reeleição, provocou polêmica. Rendeu protestos do PSDB, que alegou propaganda fora de época. Além disso, o ministro Marco Aurélio Mello, que assumirá a presidência do TSE em junho, disse que Lula não pode transformar inaugurações em eventos eleitorais. Como o sr. responde?

Se existe um partido que tem know-how de fazer campanha fora de época é o PSDB. Está em campanha com dois candidatos - o governador Geraldo Alckmin e o prefeito José Serra -, e todos nós sabemos como conseguiu emplacar uma proposta de reeleição para evitar que Lula chegasse à Presidência. Não tem crime nenhum nem uso da máquina quando se faz um manifesto solicitando que o presidente aceite disputar a eleição. Isso é bem menos do que hoje se faz em São Paulo.

O que se faz em São Paulo?

Estou aqui de longe, no Acre, mas acho que Serra está consumindo tempo demais na sucessão para presidente. Tudo bem que disputar o Brasil seja mais importante do que o mandato de prefeito de São Paulo, mas, se há sinais de campanha fora de época, não se deve procurar no PT. Há uma marcação cerrada em cima do presidente Lula e a coisa começa a não ter pé nem cabeça. Essa CPI dos Bingos já virou sobra.

Por que, governador?

Eu sempre aprendi que CPI faz a apuração de algo determinado. Ali não tem limite. Os parlamentares têm de tomar muito cuidado para que uma investigação séria não se transforme num palco eleitoral.

Por que a estratégia é o PT lançar a candidatura do presidente Lula agora, enquanto ele continua dizendo que não é candidato?

Quem está na oposição tem tempo de sobra para bater. Mas quem está no governo tem que governar. Eu achei equivocada a discussão que o PT e o ministro Jaques Wagner (Relações Institucionais) estavam fazendo, pedindo ao presidente que antecipasse a candidatura para março. Diante dessa crise toda, o PT não pode ficar fazendo cobranças ao Lula. É um erro.

Mas o presidente também vive jogando a culpa de tudo no PT, não? Diz que foi traído, que o PT tem que sangrar...

Essa crise afetou o PT, mas temos de levantar a cabeça. Não fomos nós que criamos o caixa 2. Não é possível que os arautos da corrupção queiram nos dar lição de honestidade. Entramos nessa história, mas tiramos lições e saímos dela. Outros passaram a vida inteira dentro do caixa 2. Quando se tem um problema no PT e na esquerda, todos correm ao Lula para que ele decida. Nesse momento, nós devemos dizer o que queremos.

O PT já disse que quer o presidente candidato...

Se queremos Lula candidato à reeleição, que nos manifestemos - os senadores, deputados, prefeitos, governadores, movimentos sociais, partidos da base. Depois, ele vai avaliar as condições da aliança e o projeto para o segundo mandato. Mas isso é lá na frente. Se nós, da esquerda, ficarmos nos acovardando diante da crise e não tivermos altivez, a militância vai nos atropelar.

Como assim?

Sinto que os militantes do PT, os movimentos sindicais e sociais já superaram mais a crise do que algumas lideranças. Temos de enfrentar a crise com argumentos políticos, dialogando com o País e com as oposições. Não sei por que a direção do PT, do PSB e do PC do B não estão se reunindo a cada dez dias para se posicionar sobre os problemas. Não é possível colocar tudo nas costas do presidente Lula. Está na hora de o PT sair da situação de coitadinho, de ficar só levando pancada.

O prefeito Serra disse que incomoda os opositores por ter idéias próprias. Afirmou, ainda, que o presidente Lula prega a deseducação no País. É preconceito?

Um político do PSDB disse que Serra é um eterno candidato a Deus. Se os aliados dele falam isso, quem sou eu, um petista do Acre, pecador e cristão, para fazer outra análise? O que posso dizer é que ninguém investiu mais em educação do que o governo Lula. Então, como ele pode estar fazendo apologia do não-estudo? Isso é inconcebível. Aliás, não temos medo desse debate. O nosso maior patrimônio para disputar essa eleição são os resultados do governo.

Mas há uma enorme crise política no meio do caminho...

Há companheiros nossos que ficam acovardados, isso sim. Outros, querendo mostrar que são independentes, fazem verdadeiro jogo de cena diante das câmeras de TV, nas CPIs. Estou começando a ter vergonha de ter alguns petistas ao meu lado. Não pelo que fizeram, mas pela capacidade de se hipnotizar pelas câmeras. Parece que foram mordidos pela mosca azul.

De quem o sr. está falando?

Não vou citar nomes, por enquanto. Vou esperar as convenções, porque na hora da eleição eles nos procuram. São pessoas do PT, que estão no Congresso e nos Estados. Há uns que estão passando dos limites: tinham que ir logo para o PFL, para o PSDB, porque aí ficaria mais verdadeiro. Está na hora de a gente saber quem é petista e quem não é. Precisamos saber diferenciar quem é capaz de assumir e pedir desculpas pelo erro daqueles que querem se beneficiar da crise. Tem petista que incorporou o espírito do caos absoluto e abandonou o barco antes mesmo de tentar tapar o buraco no fundo do casco.

Para um segundo mandato do presidente, parte expressiva do PT defende mudanças na política econômica. O sr. concorda?

Um eventual segundo mandato será bem diferente porque o presidente já terá uma economia estável. Será mais a nossa economia do que a das circunstâncias. Poderíamos ter sido mais eficientes na execução orçamentária. Agora, precisamos melhorar os canais de diálogo do PT com o governo. O problema é que temos uma capacidade impressionante de não saber capitalizar as conquistas.

O sr. pode dar um exemplo?

Não é possível que a gente ponha fim à nossa dependência do Fundo Monetário Internacional e o PT não comemore. A Argentina pagou uma parcela da dívida com o FMI e praticamente parou. Fez uma grande festa. Nós nos livramos do FMI, bandeira histórica do PT, e nem comemoramos. Parece que o PT sofre a síndrome da eterna oposição. Parece que a gente não aprendeu nada de ser governo.

Depois da queda da verticalização nas coligações, o presidente deve fazer alianças com partidos envolvidos no escândalo do mensalão, como PTB, PL e PP, e comprar briga com o PT, que defende a volta às origens?

Se fôssemos levar caixa 2 como regra, provavelmente não sobrariam partidos para fazer aliança. Embora haja várias pessoas identificadas por caixa 2, pergunto: e os outros partidos que deram origem a essa situação e não foram investigados? Está evidente que esse é um problema sistêmico. E por que, depois de constatá-lo, o Congresso não fez as mudanças? Eu achei interessante a proposta do PFL, que tentou criar um mecanismo para baratear campanhas. Mas saiu da agenda.

O sr. é cotado para ser o novo José Dirceu na campanha do presidente Lula à reeleição. Vai aceitar?

Está querendo me cassar, é?

Não, de forma nenhuma...

O Zé Dirceu estava lá fazendo o seu trabalho e o prêmio que deram para ele foi uma cassação. Eu não sou candidato a Zé Dirceu. Ainda vou me aconselhar sobre o meu futuro. Pena que o Acre é longe e nossos indicadores ficam ofuscados. Não tenho preconceito contra o eixo Sul-Sudeste, mas acho que há uma visão paulista demais no nosso País. Talvez a gente precise de uma visão mais esparramada na política.