Título: FHC é todo elogios para Serra em livro nos EUA
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2006, Nacional, p. A11

Se ainda há dúvidas sobre a admiração que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem pelo prefeito de São Paulo, José Serra, elas são dirimidas nas páginas do livro de memórias que o líder supremo dos tucanos publicará provavelmente em março nos Estados Unidos sob o título The Accidental President of Brazil - A memoir (Presidente do Brasil por Acaso - Memória).

A predileção pessoal do ex-presidente por seu ex-ministro do Planejamento e da Saúde salta à vista no relato que ele faz sobre a origem de sua amizade com Serra. Eles se conheceram numa sala de aula em Santiago do Chile, em 1965, ambos na condição de exilados: Fernando Henrique como funcionário da CEPAL e professor, Serra como ex- presidente da União Nacional dos Estudantes e ex-aluno de engenharia que, no Chile, resolvera reinventar-se como economista. "Ele causou um impacto em mim no segundo em que o vi", escreve o ex-presidente. "Sempre me lembrarei da imagem dele, sentado no fundo da classe com seus enormes olhos de coruja, absorvendo cada palavra. Logo descobriria que, quando José Serra quer alguma coisa, ele consegue", prossegue Fernando Henrique. "Quatro décadas depois, continuo a admirar sua ambição".

The Accidental President está longe de ser um manifesto eleitoral. Tampouco é mera obra de reminiscências. Escrito em colaboração com o jornalista Brian Winter, o livro foi pensado para explicar ao público americano e aos estrangeiros em geral as transformações que o Brasil vive desde a redemocratização, em 1985, e a conquista da estabilidade econômica, obtida pelo programa econômico que Fernando Henrique iniciou como ministro da Fazenda, em 1994, e cujo êxito garantiu sua eleição e reeleição à Presidência da República.

Mas o momento escolhido para a publicação do livro nos EUA - assim como do volume bem maior e mais ambicioso de memórias políticas que Fernando Henrique lançará pouco depois no Brasil, ou seja, no início da campanha presidencial - fará com que ambos sejam lidos à luz do debate sucessório. O ex-presidente renova os elogios ao descrever o papel central que Serra teve, como ministro da Saúde, em 2001, na briga com os Estados Unidos a respeito de uma cláusula na lei brasileira sobre propriedade intelectual que regula a suspensão de patentes farmacêuticas em casos de interesse público. Estava em jogo a preservação do programa nacional de combate à aids. Sob pressão da opinião americana e internacional, mobilizada por uma campanha do Ministério da Saúde, a administração Bush acabou retirando a ação que iniciara contra o Brasil na Organização Mundial de Comércio. Fernando Henrique reconhece também as contribuições, no vitorioso episódio, de seu então chanceler, Celso Lafer, e do atual chanceler, Celso Amorim, que era na época o chefe da missão brasileira na OMC.

A apenas três outras pessoas ele dedica elogios tão rasgados quanto os que faz a Serra nas quase trezentas páginas do livro. Uma delas é sua mulher, Ruth, por suas "boas ações" à frente da ONG Comunidade Solidária. Outro herói que ele exalta é o sul-africano Nelson Mandela. "O líder que eu mais admiro no nível pessoal", diz. Ao americano Bill Clinton, Fernando Henrique rende homenagens. "O mais impressionante político que já conheci, sem nenhuma dúvida", anota o ex-presidente, que o convidou para escrever o prefácio do livro.