Título: Lula já não encanta militantes
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2006, Nacional, p. A13

Deixado de lado em Davos, onde as atenções se voltaram para a China e a India, o Brasil também não brilhou no meio da esquerda do Fórum Social Mundial. Na opinião de um dos principais pensadores e organizadores do evento, o padre e militante belga François Houttard, ligado ao Fórum Mundial de Alternativas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não é confiável quando se trata de fazer avançar o socialismo. "Ele está construindo um capitalismo nacionalista", disse. "Pode ser um aliado na luta contra o imperialismo. Mas pára por aí."

Definições socialistas à parte, o Brasil vai sofrer em breve o impacto de um plano definido pelas redes de movimentos sociais de todo o mundo, reunidas na capital venezuelana. Em seu documento final, os movimentos se propõem a lutar contra a presença de tropas estrangeiras no Haiti - uma das apostas do presidente Lula na cena internacional. A argentina Beverly Keene, da organização Jubileu Sul, anunciou que no próximo dia 15 de fevereiro serão realizadas ações exigindo a retirada das tropas e a anulação da dívida externa haitiana. No dia 29 de março, o dia da Constituição do Haiti, haverá uma jornada mundial de solidariedade àquele país. "Queremos a retirada das tropas de ocupação", afirmou Beverly.

Há um trecho, no texto, que interessa a empresários e instituições de governo do Brasil envolvidos com a construção de barragens para a produção de energia elétrica. Os movimentos pretendem intensificar ações para interditar obras de hidrelétricas em todos os lugares do mundo. No caso de serem realmente necessárias, vão exigir que as pessoas obrigadas a se deslocar por causa dos lagos, os "refugiados econômicos" segundo a nomenclatura do fórum, sejam bem indenizadas.

Por influência da Via Campesina, representada no Brasil pelo Movimento dos Sem-Terra e cuja influência no fórum aumenta de ano para ano, os movimentos sociais também querem intensificar as lutas pela reforma agrária e proteção dos pequenos agricultores. O Brasil foi criticado, nos encontros, pelas posições sobre política agrícola que tem assumido na Organização Mundial do Comércio. De acordo com o Apelo de Bamako, documento que serviu de base para o texto dos movimentos sociais, "o Brasil e a Índia, e todo o grupo do G-20, se distanciaram dos interesses do Terceiro Mundo e se revelaram promotores dos mais determinados da globalização do neoliberalismo". Esses movimentos também prometem organizar mais campanhas contra a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Ontem a direção do fórum divulgou os números finais do encontro. Foram cerca de 80 mil inscritos, que participaram de 2 mil atividades. Neste conjunto existem 19 mil delegados oficiais de entidades da sociedade civil e 4.900 jornalistas - incluindo desde pequenos jornais de escola a representantes das grandes agências internacionais de notícias.