Título: Índia luta para ser a China democrática
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2006, Economia & Negócios, p. B6

País faz uma grande campanha em Davos para se transformar na nova estrela econômica, mas há problemas

Délhi chegou a Davos, na quarta-feira, com uma extravagante campanha para promover a Índia como a próxima estrela econômica e como alternativa democrática à China. Havia poucos lugares a que se podia ir no primeiro dia do Fórum Econômico Mundial sem ver, ouvir, beber ou experimentar algo indiano. Os organizadores chamam a campanha de "Índia em todos os lugares" e parece que levaram isso ao pé da letra.

"Nos dois últimos anos, achamos que havia coisas demais sobre a China e a Índia não estava sendo ouvida", disse Ajay Khanna, executivo-chefe da India Brand Equity Foundation, que orquestra a promoção. "Este ano, decidimos fazer um grande esforço para dar voz à Índia." Não há perigo de a Índia ser excluída, com uma delegação de 150 integrantes, incluindo 3 ministros e 41 executivos-chefes. Khanna estimou o custo total da campanha em US$ 5 milhões.

Segundo os funcionários do Fórum, nunca um país montou uma ofensiva tão charmosa em Davos. "Vamos mostrar a chegada do empreendedor global indiano", disse Nandan M. Nilekani, executivo-chefe da Infosys Technologies, que cresceu US$ 2 bilhões em vendas em 2005, a partir de US$ 120 milhões em 1999, e chegou a simbolizar as ambições da Índia.

A questão é se a mensagem subliminar da Índia - de que é outra China - tem credibilidade. Até porque a China ainda cresce mais rápido que a Índia, atraiu dez vezes mais investimento estrangeiro direto e construiu uma rede de aeroportos e estradas que faz a Índia parecer uma ruína.

"Há várias áreas em que as pessoas ignoram as dificuldades da Índia", disse Jim O'Neill, chefe de pesquisa econômica global na Goldman Sachs, que citou o sistema de educação inadequado e barreiras para a propriedade estrangeira de bens indianos como fraquezas. "Está complicado encontrar trabalhadores qualificados lá", disse O'Neill. "A Índia é também uma economia muito fechada."

Goldman contribuiu para a euforia sobre a Índia ao projetar que sua economia poderia crescer 50 vezes até 2050, o que a tornaria a terceira maior do mundo, depois da China e dos Estados Unidos. Mas O'Neill disse que, quando classificou os países pelos riscos potenciais de crescimento - tudo, desde inflação até corrupção -, a Índia ficou em 97º lugar, atrás de Brasil e Filipinas.

Os empreendedores indianos admitem que o país tem problemas. Tensões sociais causadas pela migração em massa e a fragilidade do atual governo podem impedir o desenvolvimento. Estradas e aeroportos continuam em estado calamitoso e a construção de novos projetos normalmente caem nos labirintos da burocracia.

"Se quiser fazer bonecas Barbie, não venha para a Índia", disse Anand G. Mahindra, chefe de um dos maiores conglomerados do país. "Porque, se pedir 1 milhão, elas ficarão presas no tráfego de Bombaim ao porto." Mesmo assim, a Índia começa a aproveitar o crescimento parecido com o da China, de 8,1% de abril a junho de 2005. O Produto Interno Bruto (PIB) vai crescer em média 6,1% entre 2005 e 2010, segundo Goldman.

Anúncios promovem a Índia como "a democracia de livre mercado que mais cresce" no mundo - uma referência nada sutil à China, que não fez muito para suavizar o domínio do Partido Comunista sobre a sociedade. A Índia, em compensação, é uma democracia clamorosa, de 675 milhões de eleitores.

"A democracia é uma grande vantagem para nós", disse Malvinder M. Singh, presidente da Ranbaxy Laboratories, a maior empresa de remédios da Índia. "Não é a única vantagem, mas é definitivamente uma vantagem." Singh, 33 anos e um MBA da Universidade de Duke, disse que a força da Índia na química deu à indústria farmacêutica local vantagens sobre a China. Enquanto as empresas chinesas centram foco em matérias-primas, a Ranbaxy produz remédios genéricos e planeja expandir seus produtos.

Apesar das constantes comparações com a China, a maior parte dos indianos insiste que não estão competindo e ambos podem prosperar. "Chamo isso de Chíndia", brincou Nikhil Meswani, diretor-executivo da Reliance Industries.

Especialistas dizem que o desenvolvimento da Índia depende muito de o governo relaxar o mercado de trabalho e derrubar os obstáculos ao investimento estrangeiro. A Índia ainda proíbe o Wal-Mart e o Carrefour de abrir lojas no país. Mas esta semana anunciou que vai permitir que empresas de marca única abram lojas.