Título: Carga tributária e dívida pública
Autor: Clóvis Panzarini
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2006, Economia & Negócios, p. B2

As elevadas carga tributária e taxa de juros têm sido consideradas entraves ao crescimento sustentado do País. De fato, a carga tributária brasileira, que no ano passado deve ter ficado perto dos 38% do produto interno bruto (PIB), é uma das mais altas do mundo, considerados os países com renda per capita semelhante à nossa. As críticas ao tamanho da carga tributária, entretanto, têm sido quase sempre desfocadas, uma vez que ela é mera conseqüência do tamanho do Estado brasileiro.

Costumo comparar a carga tributária à taxa condominial, que não deve ser inferior aos gastos, sob pena de ter a inevitável chamada extra. No caso do 'Condomínio Brasil', as despesas não financeiras somam 33% do PIB, mas os condôminos estão arcando com 'chamada extra' - superávit primário - para fazer frente à 'farra fiscal' do passado, quando gastar mais do que se arrecadava era motivo de orgulho dos governantes. Tal 'chamada extra', em 2005, foi da ordem de 5% do PIB, o que resultou numa 'taxa condominial' total de 38% do PIB.

A expressão 'superávit primário' dá a falsa idéia de 'lucro' ou 'sobra'. Na verdade, o superávit primário no ano passado, pouco superior a R$ 100 bilhões, não foi suficiente sequer para pagar os juros, que, de acordo com o Tesouro Nacional, aumentaram em R$ 141 bilhões a dívida brasileira, que atingiu em dezembro R$ 979,6 bilhões, o equivalente a US$ 425 bilhões.

Esses resultados são preocupantes, apesar de o governo federal estar fazendo festa porque pagou antecipadamente US$ 15 bilhões que devia ao FMI e que representam insignificantes 3,5% da dívida total, que só no ano passado cresceu 20,9%. Esses números mostram a irracionalidade da política de juros altos do governo, que inflou o estoque da sua dívida, com 52% de seus títulos atrelados à taxa Selic.

Sendo o governo o grande devedor, a política de juros altos significa verdadeiro tiro no pé, pois, além de aumentar a dívida, representa trava ao crescimento econômico. Não é por outra razão que, enquanto a taxa agregada de crescimento econômico do mundo em 2005 foi superior a 4% e os países emergentes, que hoje representam 50% da economia mundial, cresceram, em média, 6%, o Brasil, também emergente, cresceu no ano passado vexatórios 2,5%.

É fundamental que a relação dívida/PIB caia, mas para isso será necessário superávit primário cada vez maior. Como os gastos correntes do governo têm crescido de forma descontrolada, o superávit primário tem sido alcançado com aumento de carga tributária e cortes nos investimentos públicos, o que também se constitui em gargalo para o crescimento econômico.

É preciso ter presente que essa dívida é da sociedade brasileira. Somos nós, pois, que suportamos estratosférica carga tributária para bancar o governo, seus gastos crescentes e seus desperdícios, além, obviamente, do serviço da dívida pública.

Esse Estado agigantado e a elevada taxa de juros levam à sensação de que estamos 'enxugando gelo', como já disse uma alta autoridade federal, pois o superávit primário não tem sido suficiente sequer para pagar os juros que aumentam a dívida, o que requer mais carga tributária para honrá-la.

Juros altos e carga tributária elevada deprimem a economia, o que compromete a própria arrecadação tributária.

E o governo festeja o espetáculo do crescimento de 2,5%.