Título: Brasileiros e mexicanos analisam seus fracassos
Autor: Fernando Dantas, João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2006, Economia & Negócios, p. B4

Por que China e Índia crescem tanto e nós não?, indagam

Afinal, por que todos falam da Índia e da China e não de nós? Por duas horas, políticos e empresários da América Latina, brasileiros e mexicanos na maior parte, dedicaram-se a uma penosa sessão de auto-análise coletiva, comparando as lentas economias latino-americanas com as dinâmicas estrelas orientais que dominam as atenções na reunião do Fórum.

Uma das diferenças importantes é que indianos e chineses fazem o que prometem, disse o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan. Em 2002, lembrou, ele perguntou ao presidente mexicano, Vicente Fox, quando sairia a reforma tributária. Em abril, respondeu o presidente. Anos depois Furlan perguntou o que havia acontecido. "Eu não disse abril de que ano", explicou Fox.

A lamentação ocorreu durante uma discussão sobre o que atrapalha o crescimento do Brasil e do México, duas grandes economias, mais ou menos do tamanho da indiana, que fizeram ajustes, controlaram a inflação e têm hoje fundamentos muito melhores do que há alguns anos.

Com todas essas mudanças, Brasil, México e várias outras economias da região têm crescido entre 2% e 4% ao ano, taxas bem modestas diante do desempenho dos países dinâmicos da Ásia, observou o presidente da Corporação Andina de Fomento (CAF), Luiz Enrique García.

O presidente da UPS International, dos Estados Unidos, David Abney, foi direto a alguns pontos práticos, apontando a enorme oferta de mão-de-obra barata na Índia e na China e listando deficiências dos latino-americanos, como o pouco investimento em treinamento e pesquisa, muita burocracia, corrupção e perda de oportunidades por erro de estratégia.

Ele cobrou do Brasil e do México uma ação conjunta a favor da Área de Livre Comércio das Americas (Alca). García lembrou que o México, favorável à Alca, e os países do Mercosul estiveram em lados opostos na Cúpula das Américas, em Mar del Plata, no ano passado.

O ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo Ponce de Leon, hoje diretor do Centro de Estudos da Globalização da Universidade de Yale, nos EUA, contou ter proposto ao presidente Fernando Henrique Cardoso, nos anos 90, um acordo de livre comércio entre os dois países "por motivos geopolíticos". "Vocês podem desfrutar do Mercosul", teria dito Zedillo a Fernando Henrique, "mas este jogo é global".

Segundo Zedillo, o grande obstáculo ao crescimento de países latino-americanos é mais político do que econômico. Não basta escolher as políticas corretas e preferir a economia de mercado: é preciso ter as instituições para executar essas políticas e para impor o império da lei. A América Latina, argumentou, teve Estados autoritários, mas não teve nem tem Estados fortes, capazes de cumprir funções básicas como a aplicação da lei e educação. Sem o Estado forte, concluiu, o mercado não pode funcionar direito.

Houve discussões sobre como explorar a complementaridade das economias do Brasil e do México, mas a maioria das intervenções se concentrou nos obstáculos ao crescimento - problemas políticos e estruturais e não de conjuntura.

Furlan falou brevemente sobre a deficiência das políticas educacionais, mas acabou dedicando a maior parte dos comentários a uma exposição sobre as realizações proclamadas pelo atual governo.

Zedillo ainda tentou dissipar a depressão, mostrando pontos positivos das economias mexicana e brasileira, na comparação com a indiana e a chinesa, mas seu comentário mais confortador foi outro: em muitas outras ocasiões, os latino-americanos chamaram a atenção pelos piores motivos. Agora, se não fazem barulho como Índia e China, pelo menos conseguiram estabilidade política e econômica e não chamam atenção pelos motivos errados. Pena que estabilidade não seja tudo, reconheceu Zedillo.