Título: Bush reafirma que não negociará
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2006, Internacional, p. A16

Presidente não vê como se possa ser um parceiro da paz e pregar a destruição de um país, como faz o Hamas

O presidente George W. Bush reagiu ontem à surpreendente vitória do Hamas nas eleições parlamentares palestinas afirmando que seu governo não negociará com um partido que prega a destruição do Estado de Israel. "Não vejo como você possa ser um parceiro na paz se advoga a destruição de um país como parte de seu programa"disse Bush, reiterando a posição da administração, que está proibida por lei de ter contato com ou prestar assistência a organizações que figurem na lista de entidades terroristas do Departamento de Estado, como é o caso do Hamas.

Mas Bush elogiou o caráter democrático da eleição que levou o Hamas ao poder e deixou implícita a esperança de que a responsabilidade de assumir o governo palestino produza mudanças no Hamas. Bush pediu que o presidente palestino, Mahmud Abbas, que tem três anos de mandato pela frente, permanceça no posto.

Falando pouco antes no Fórum Econômico, em Davos, a secretária de Estado, Condoleeza Rice, pediu ao Hamas para renunciar à violência. "Quem quiser governar o povo palestino com o apoio da comunidade internacional terá que se comprometer com a solução de dois Estados ( Israel e Palestina)", disse ela.

Conceitos como "processo de paz" podem ter se tornado obsoletos na nova realidade criada pela vitória do Hamas, que o professor Shibley Telhami, autoridade em Oriente Médio da Universidade de Maryland, chamou de "nada menos que uma estoteante revolução política". Falando no programa de Diane Rehm, da rede nacional de emissoras educativas, Telhami disse que a eleição "encerrou a era da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e apresenta agora enormes desafios para os EUA, Israel e o próprio Hamas, que foi guindado a um papel que nunca teve, não esperava nem está preparado para desempenhar". Para os EUA, "trata-se do primeiro teste real da política de promoção da democracia no Oriente Médio, que inevitavelmente levará partidos islâmicos como o Hamas ao poder", acrescentou ele.

Martin Indik, ex-embaixador dos EUA em Israel que dirige o Centro Saban de Estudos sobre o Oriente Médio na Fundação Brookings, em Washington, disse que "a vitória do Hamas encerrou o processo de paz nos termos em que foi definido por Bill Clinton e rejeitado por (Yasser) Arafat e abriu agora um período de soluções provisórias" numa região onde a própria política israelense vive o fenômeno do esgotamento dos partidos tradicionais.

Os dois especialistas chamaram a atencão , no entanto, para realidades que poderão forçar o Hamas a adotar uma atitude mais prática e moderar suas posições, a começar em relação a Israel. A primeira é que o governo que o partido islamista chefiará tem sua autoridade institucional derivada dos acordos de Oslo, firmados com Israel, que criaram a Autoridade Palestina. Outra, mais palpável, é que 50% do orçamento da AP vem de transferência fiscais feitas por Israel, que obviamente as suspenderá se o Hamas mantiver sua hostilidade ao Estado judaico, no poder.

"A suprema ironia é que caberá agora ao Hamas zelar pela segurança dos palestinos", observou Indik, lembrando que o governo do Hamas terá agora que manter a ordem em Gaza e nas cidades da Cisjordância sob sua jurisdição.