Título: Hamas tem vitória surpreendente
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2006, Internacional, p. A14

Considerado terrorista pelos EUA, União Européia e Israel, grupo conquista 57% das cadeiras do Parlamento

Nem os principais líderes do movimento islâmico Hamas esperavam vencer, principalmente de maneira tão esmagadora, as eleições legislativas palestinas de quarta-feira - as primeiras em dez anos. A expectativa era a de que o grupo radical, qualificado de terrorista por EUA, União Européia, Canadá e Israel, mostrasse força nas urnas, tornando-se o principal partido de oposição. Mas o que aconteceu surpreendeu a todos.

De acordo com o Comitê Central Eleitoral (CCE), o Hamas conquistou nada menos do que 76 cadeiras, 57% dos 132 assentos do Conselho Legislativo Palestino, o Parlamento local. A Fatah, partido que monopolizou a política palestina na última década, recebeu apenas 43 cadeiras (33%). Outros grupos pequenos ficaram com 13 cadeiras. Os dados são oficiais, embora a contagem total dos votos ainda deva demorar pelo menos mais 36 horas.

A reviravolta política palestina, que está sendo apelidada de Revolução Verde (a cor do Hamas), contraria o cenário pintado 24 horas antes pelas pesquisas de boca-de-urna. Todas davam vitória da Fatah, mesmo que apertada, sobre o Hamas.Ativistas da Fatah chegaram a sair às ruas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza para comemorar na quarta-feira à noite, logo após o pleito. Tudo mudou na madrugada de ontem.

A vitória do Hamas começou a ficar clara aos poucos. O número 1 da lista do grupo islâmico, Yismail Hanyie (provavelmente, o próximo primeiro-ministro palestino), contestou as enquetes e anunciou: de acordo com números internos, o Hamas venceu em todos os 16 distritos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, entre eles Ramallah, considerada uma cidade liberal e laica. De boca em boca, a notícia foi se espalhando e a cor nas ruas foi mudando. Ativistas do Hamas, reconhecíveis pelo verde das bandeiras, camisas e faixas, começaram a celebrar com carreatas e passeatas. O triunfo foi confirmado no começo da tarde com a renúncia de Ahmed Korei, até então o primeiro-ministro, da Fatah. Ele foi seguido por todo o gabinete. Pouco tempo depois, era a vez do presidente Mahmud Abbas admitir a clara derrota da Fatah.

Um dos líderes do Hamas, Mahmud Zahar, afirmou que o grupo está pronto para estender o cessar-fogo que já dura um ano, se Israel fizer o mesmo, e prometeu amplas mudanças "em todos os aspectos da vida palestina", incluindo saúde, educação, economia.

Hanyie pediu a Abbas que vá a seu encontro para discutir a formação do novo gabinete, até porque o Hamas não tem experiência no governo de uma infra-estrutura governamental tão complicada quanto a da AP. Abbas prometeu começar imediatamente as consultas para a formação do novo governo e, num discurso aos palestinos, deu a entender que negociações com Israel ficariam a cargo da Organização de Libertação da Palestina (OLP), da qual é o líder - uma forma de contornar um governo liderado pelo Hamas, não aceito por Israel.

Numa reunião à noite, a direção da Fatah decidiu não participar de um governo de coalizão com o Hamas - segundo informou um funcionário do primeiro escalão às agências internacionais de notícia.

Ao que parece, a derrotada Fatah está mais interessada, agora, em repensar seus erros e reconstruir o partido. Há muita resistência, dentro da legenda, em relação a qualquer sociedade com o rival Hamas.

No fim da noite, centenas de membros da Fatah irados com o resultado marcharam pelas ruas de Gaza.