Título: Como melhorar a qualidade da educação?
Autor: Aloísio P. de Araujo e Flávio Cunha
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

Recentemente, a desigualdade em escolaridade, no Brasil, vem sendo paulatinamente reduzida. Espera-se, pois, que o diferencial na qualidade de educação entre indivíduos com o mesmo número de anos de ensino se torne mais importante na determinação da desigualdade de renda. Adicionalmente, pesquisas apontam que a qualidade da educação de um país é um dos fatores mais importantes para o seu desenvolvimento econômico. Portanto, para construir uma sociedade mais justa e uma economia mais dinâmica é necessário melhorar a qualidade de educação no Brasil. Com esse intuito, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) organizou no final do ano passado um seminário no qual os principais conferencistas foram os professores Eric Hanushek e James Heckman. Neste artigo apresentamos e discutimos as conclusões de suas pesquisas.

Sem dúvida, temos obtido sucesso em incluir e manter nossas crianças na escola. É necessário, contudo, melhorar a qualidade do ensino, pois os nossos estudantes têm desempenho, em testes padronizados, inferior aos dos países desenvolvidos. Contrário ao senso comum, o professor Hanushek nos ensina que medidas como a redução do número de alunos por sala de aula, a contratação de professores titulados ou aumento dos recursos para a educação não necessariamente levam a aumentos da qualidade. Ele notou que nos últimos 40 anos os países desenvolvidos triplicaram os gastos reais por aluno e diminuíram em um terço o tamanho médio das turmas. Entretanto, não foram registrados ganhos na qualidade do ensino. A evidência empírica elaborada por Hanushek mostra que a solução está na contratação e retenção de bons professores. Essa é uma tarefa difícil, pois o que distingue um professor capaz é, obviamente, a sua eficiência em ensinar. Tal característica não é observável e tampouco pode ser induzida pela titulação ou pela experiência. A real competência de um professor só pode ser inferida ao longo do tempo por meio do monitoramento do desempenho dos alunos em testes padronizados.

O processo educacional começa em casa e a escola trabalha com a matéria-prima que lhe é fornecida. Como demonstrou o professor Heckman, os resultados de testes aplicados em crianças com 5 ou 6 anos de idade mostram que os filhos de famílias de classe média ou superior são mais proficientes em língua e matemática do que as crianças de famílias desfavorecidas economicamente. Como não se pode atribuir esse diferencial de desempenho às escolas, só nos resta concluir que os pais de baixo nível socioeconômico subinvestem no desenvolvimento intelectual de seus filhos desde os primeiros anos de vida. Tal fato pode ocorrer por falta de recursos, por falhas no mercado de crédito ou por desinformação. Qualquer que seja a razão, as conseqüências são sérias e duradouras em relação às possibilidades de sucesso educacional dessas crianças. Um bom desempenho acadêmico é parcialmente determinado pela facilidade de aprendizado, que - de acordo com pesquisas em desenvolvimento cerebral - depende da estrutura de ligação entre os neurônios. Tal estrutura é formada por meio de estímulos intelectuais e emocionais recebidos nos primeiros anos de vida. Crianças que crescem em ambientes onde esses estímulos são raros tendem a ter uma configuração ineficaz e, portanto, a sofrer maiores dificuldades de aprendizado.

Essa tese é confirmada por farta evidência empírica produzida pelos programas de primeira infância implementados nos Estados Unidos desde a década de 1960. Nesses programas, crianças entre 3 meses e 3 anos de idade, provenientes de famílias de baixo nível socioeconômico, recebem estímulos intelectuais de educadores qualificados. Os programas também incluem os pais, que aprendem a promover o desenvolvimento cognitivo e comportamental dos seus filhos. Portanto, programas de educação de primeira infância não são creches, pois eles contam com a participação direta dos pais, que recebem treinamento e fornecem suporte emocional aos filhos, que se sentem seguros para explorar o ambiente e aprender. Os resultados são amplamente positivos. As crianças participantes obtêm maior número de anos de escolaridade, maior proficiência em testes padronizados e, quando adultas, maiores salários e menor probabilidade de ficarem desempregadas. Além disso, os garotos se tornam menos propensos a participar de atividades criminosas quando adultos. Para as garotas se registrou forte redução na ocorrência de gravidez precoce e indesejada.

Para aumentar a qualidade da educação dos brasileiros é necessário melhorar a qualidade dos professores e, ao mesmo tempo, fazer com que nossas crianças, especialmente as de famílias de baixo nível socioeconômico, cheguem às salas de aula prontas para aproveitar ao máximo aquilo que nossas escolas lhes têm a oferecer.

Contudo, é necessária cautela, pois a evidência empírica relatada acima não deve ser automaticamente transportada para o Brasil. É necessário verificar se as escolas brasileiras estão propriamente adequadas ao ensino e treinamento de nossas crianças do ponto de vista físico. Pode-se também negociar com sindicatos um substancial aumento de salário e prêmios por desempenho em troca de um sistema de monitoramento de produtividade. Tais medidas seriam eficazes em atrair e reter professores de melhor qualidade.

Em relação à educação de primeira infância no Brasil, o primeiro passo seria o financiamento de pequenos programas experimentais com variações no tipo de intervenção para se estabelecerem razões entre custo e benefício para cada tipo de programa, se possível para cada região brasileira.