Título: Garotinho: 'Vamos adotar lógica inversa à do PSDB e PT'
Autor: Wilson Tosta
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2006, Nacional, p. A6

O real? Deve ser desvalorizado. O Comitê de Política Monetária (Copom)? Vai ser ampliado. O Banco Central? Perderá autonomia. O superávit primário? Uma mentira brasileira, a ser gradativamente extinta. Não sobra nada da política econômica do atual governo no programa que o ex-governador Anthony Garotinho, pré-candidato do PMDB à Presidência, quer apresentar para a sociedade nas eleições deste ano. Essa aversão se manifesta na entrevista que concedeu ao Estado, dominada pelos temas econômicos. Garotinho deixa hoje o cargo de secretário de Governo e Coordenação do Rio para se engajar definitivamente na campanha para as prévias que escolherão o candidato do partido.

"Tem de voltar a carga tributária a 25%", diz o ex-governador, que, para ajudar os exportadores, já defende o dólar com cotação mínima de R$ 2,70, bem acima dos cerca de R$ 2,20 de hoje. Garotinho também promete o fim da era dos superministros da Fazenda, cargo que, em um eventual governo seu, teria apenas um executor da política econômica formulada pelo presidente. Para ele, o Brasil pode crescer 7% anuais, sem risco de inflação. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O governo melhorou, aparentemente, na opinião pública, segundo a última pesquisa IstoÉ/Ibope. Por que isso, em sua avaliação? Melhorou mesmo?

Não sei, e eu senti uma certa desconfiança dessa pesquisa. Senti o dedo do governo. É engraçada uma pesquisa em que todo mundo cai e só o governo sobe.

Será que a propaganda do governo funcionou?

Não creio. Essa pesquisa não refletiu a realidade que sentimos nas ruas.

Mas o que estaria havendo, então?

Não sei. Isso quem deve responder é o Ibope.

O que o senhor destacaria no programa que vai defender?

Nosso programa vai trabalhar com a lógica inversa da trabalhada pelo PSDB e pelo PT. Qual foi a lógica desses dois governos? Juros altos e, para manter juros altos, alta carga tributária... Em conseqüência, baixos salários e alto desemprego. Qual é a nossa proposta? Juros menores, conseqüentemente redução na carga tributária, automaticamente maiores salários e mais empregos.

Qual seria a primeira medida econômica a ser tomada?

Não existe essa coisa mágica de primeira medida, mas um conjunto de medidas. São necessárias centenas de medidas: mudança no Banco Central, mudança no Conselho Monetário Nacional, mudança na política de câmbio...

O Banco Central, na prática, tem uma autonomia muito grande. Isso vai acabar?

Não, mas o Banco Central, por exemplo, nos Estados Unidos, tem representantes da indústria, do comércio, da inteligência americana... No Brasil, reúnem três pessoas, três banqueiros, e dizem o que o Brasil tem de fazer...

Então o Copom, no formato atual, acaba?

Acaba.

Vai ser ampliado, extinto?

Ampliado.

Mas no seu eventual governo o Copom terá autonomia para decidir?

Autonomia para decidir o melhor para o País, não o melhor para os bancos. Se o melhor para o País for o melhor para os bancos, tudo bem; mas se o melhor para o País não for o melhor para os bancos...

As exportações, calcadas no agronegócio, têm tido destaque. Isso mudaria?

O agronegócio este ano está correndo risco de ter um prejuízo monumental. Uma saca de soja que foi vendida no ano passado a R$ 48 está sendo negociada a R$ 21, por causa da mudança cambial. Os agricultores brasileiros estão a ponto de quebrar por causa dessa política irresponsável de câmbio.

O senhor está defendendo a desvalorização do real?

Estou. O dólar não pode ficar a menos de R$ 2,70.

Mas uma desvalorização do real não pode gerar inflação?

Não, porque 80% do que consumimos não é importado. Vamos citar uma coisa: faltou arroz, a safra de arroz foi ruim. Nós vamos importar arroz, certo? Aí é uma commodity, o preço é em dólar. Mas é um produto. A não ser que tenhamos uma crise sistêmica e todos os produtos entrem em crise ao mesmo tempo.

Como ficaria o Ministério da Fazenda em seu governo?

Economia é meio, não é fim. A equipe econômica tem de fazer a política que seja boa para o governo. Se a economia fosse tão importante como alguns governantes querem, a eleição deveria ser para presidente do Banco Central e ministro da Fazenda, não para presidente da República. O presidente da República é que tem a visão do País que quer. O presidente da República tem de dizer ao ministro da Fazenda, ao presidente do Banco Central, ao presidente da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, do BNDES: "Eu quero que o País cresça a tantos por cento ao ano, eu quero gerar tantos milhões de empregos, eu quero que o País mantenha essa taxa de inflação, essa é a minha meta, me montem uma política econômica que atenda aos meus resultados." Agora, quando é feito o contrário... Dizem assim: "O País só pode ter tantos por cento de crescimento, o País tem de ter tantos por cento de superávit primário..." Aí dizem: "Com tudo isso, vamos ver quanto sobra para crescer."

Então, o senhor pretende acabar com a era dos superministros da Fazenda?

O ministro da Fazenda é um ministro...

Não vai ter a proeminência dos antecessores?

Não. Economia é meio, não é fim.

E o superávit primário?

Superávit primário é muito simples: é uma mentira que foi inventada no Brasil. Você tem déficit ou superávit. Você não tem superávit primário. É como você dizer: "Tenho superávit primário lá em casa. Ganho R$ 5 mil e, antes de pagar a luz, a água e a escola dos meus filhos, eu tenho um superávit primário de R$ 1 mil. E aí, depois que eu pago, eu tenho um déficit." Em todo país sério do mundo há déficit ou superávit. Não existe esse negócio de superávit primário. Isso foi uma invenção do sistema financeiro nacional, para garantir o lucro dos bancos.

O senhor vai então acabar com o superávit primário?

Gradativamente, vamos eliminando. Nós vamos trabalhar com o conceito real: déficit ou superávit. Nada de superávit primário.

Podemos dizer então que sua proposta é baixar os juros?

Baixar os juros, diminuir os impostos. Isso é fundamental, só se pode diminuir os impostos se diminuírem os juros. Os impostos foram criados para cobrir a conta de juros. Tem de voltar a carga tributária a 25%. Era 25% quando o Fernando Henrique Cardoso começou. O Fernando Henrique elevou para 35%, o PT, para 40%. Tem de gradativamente ir voltando para 25%. Então, tem de diminuir impostos na medida em que diminuem os juros. Aí, você expande o crédito, lentamente, dirigido para alguns setores da economia, setores produtivos, geradores de grande quantidade de empregos... E aí vai ter um desenvolvimento muito grande. O Brasil pode crescer 7% ao ano sem nenhum risco inflacionário .